quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Me dê motivo pra ir embora

A rua que fica dentro do bairro Santa Rosa.
Santa Rosa nada tem de Martins Torres.

Sem saída, a única saída que tem na rua é minha casa.
Tem umas vielas, sem saída também, que não saem aqui.

Eu queria morar ali, nas vielinhas, zinhas.

Rua cheia de casa.
Cheia.
Casas de frente pra calçada.
Portão baixinho.

Não tem assalto, nem tiro.
Em três anos ouvi um.
Quando ainda morava com Lipe, a gente ouviu.
Um só.

Todos os botecos são na frente das casas.
Puxadinho.
Do Cadinho, da Dona Dina, com voz da vó da família dinossauro, do Seu Jorge e os dois aqui mais perto que não sei nome.

Os moleques que jogam bola no meio da rua.
Param pra cada pessoa passar.
Os grandes.
Os pequenos não, são envocados.

3 cavalos que descem de uma casa lá de cima, do morro.
Disputam o lixo com os cachorros.
Com a família de porco que às vezes tá por aqui, em passeio de fim de semana.

A vizinha aqui de baixo que tem árvore de goiaba.
Os meninos passam o dia pedindo.
Exigem.
A casa talvez veio depois da árvore.
Ela resmunga e dá.

A molecada desce de papelão no morro de grama aqui do condomínio.
Andam nos cavalos também.
Se puxando numa corda.

As meninas correm gritando pra apertar Tito quando a gente chega.
Os meninos também, mas quem berra são elas.

4 crianças que conversei ontem vieram gritando e correndo pra cima de mim.
Um abraço, dos quatro.
Em mim!

Todo mundo diz bom dia, olá, tudo bem.
Perguntam E o bebê?
Alguns que vejo mais, Seu Jorge de Skol 2,10, já sabe nome: E Tito? Tá bem?

Os mais bebuns são os que faço maior número de cumprimento.
Variam a mesa, às vezes o boteco.
Durante todo o dia.
Acho lindo o olhar que eles têm, bêbado.

A gorda que teve filho pertinho do meu.
Sempre cria cumplicidade.
E o seu? Tudo bem?

As crianças criadas na rua, os pais no boteco.

A vizinha de cima.
Karina, deve ser com K.
Lipe detestava, ouvia funk alto, dançando, tum-tum.
Uma gracinha. Comigo.
Já vi que ela que manda na garotada.
Tem bunda, peito, e confia.

O namorado que tinha cabelo comprido.
Vivia molhado.
Parecia usar soglu, do príncipe de NY.

Acerola e Laranjinha,
dois gêmeos que vão construir a boca da rua logo mais.
Dá pra saber.
Mal têm 1 metro e falam como se trogloditas.
- Porra! Puta que pariu! Caralho, mané!
E partem pra cima dos maiores, com os bracinhos pra trás.

Falei das casas na calçada, mal calçada tem aqui.
Ou é buraco, ou tem carro encima.

O hospital da polícia militar é aqui.
Dizem que eles não deixam nada acontecer.
O que fazem pra isso nem quero saber.

Tem o mercadinho da velha bruxa.
Uma estúpida, grosseira.
Há mais de 1 ano não compro lá.
Ando duas quadras mais pra chegar no outro que além de mais gentil, dá coragem de comprar frios.

Tem o manco abusado que mexe comigo.
Eu cumprimento engrossando a voz.
A ponto dela ficar fina.
Tito adora ele.
Acho legal.

Tem a Lory que teve filho agora.
Disse que é horrível eu ainda não ter ido conhecer.
Eu vou, semana que vem eu vou.

Minha vizinha hoje que interfonou dizendo que fez a chave da porta debaixo pra mim.
Que vende natura.

A Pri que desistiu de mim.

O Júnior que leva Tito pra escola.
Reclama de eu gostar do frio, da chuva.

A vizinha da frente que estrangula o filho.
Eu já denunciei.
Já interfonei,
- Você não sabe o que EU passo!
Tá bem. Desculpa.

A Dona Rosa que fala que pareço Hippie.

Dona Miriam.
Doceira.
Disse que cuidava mais de mim, se pudesse.

Me lembra o porto onde passei a infância.
Lá no Paranazão.
Onde o pai tinha uma casa.
Que afundou na enchente.
Sempre achei assim, afundou.
Lipe ensinou que o rio que subiu.

Lembrava mais quando dizia:
Segue até o fim, é depois do barco.
Como assim barco?
Na rua tem um barco.

Rua Martins Torres.
Durmo com barulho de sapo.

2 comentários:

Tatiana Monteiro disse...

Lindo, lindo, lindo... o que é que tá acontecendo com você mulherzinha? Tá amanhecendo por dentro? Te beijos! Tati

Felipe disse...

Meu Deus!!! Obrigado! Agora não vou perder isso nunca. Viva a Martins Torres! E afinal, quem foi Martins Torres? Nunca sabemos o pq do nome das ruas.