terça-feira, 30 de junho de 2009

Tenho também caminho de volta

Há alguns dias atrás eu vivi uma dor enorme.
Gemida.

Gemi alto.

E pedi sono.

Acredito tanto no tempo, com a ignorância que tenho de teorias.
Não lembro de ter dormido, talvez não tenha.

Abri o olho em algum momento.
Eu vi.

Meu olho exagerado.
Aberto.
Esgarçado.

Enxerguei minha casa.
Vi cor, olhei pra fora.

Foi uma sensação de normalidade febril.
Saí de mim.
Me escapei.

Consigo me movimentar.

É uma sensação de grito.
Surda e sem cheiros, fixa no meu olhar.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Minha criança anda insegura.
Sono leve e quebrado.
Me pede pra estar até que não me precise.

Com meu descanso de três horas por noite,
Há tempos,
Choro.

Peço que durma,
Que se tranquilize,
Estou aqui ao lado, filho.

Tem um olhar cada vez mais triste,
Geme,
Se estica, me pede.

Embaralhada no meu sono,
Trago foco.

Consigo enxergar.
E reconheço.

Reconheço o gemido que saiu dali.

Páro de falar, acordo,
Puxo ele pra mim.
Apertado no meu peito.

A mão mínima me faz carinho pra que eu não fuja.
O olho cai desesperado, não aguenta mais.

Eu compartilho, compartilho, penso.
Dou meu colo sem moeda, sem prazo,
Pode dormir em mim.

E me lembro de um momento longe,
Que vi meu peito afundar de saudade,
Faltando o pedaço que só na minha criança encontro.

O colo dado é também o que recebe.

Obrigada, meu filho, pelo colo que me dá.


terça-feira, 23 de junho de 2009

Só posso me ver

Desaprendi a dormir.

O que me causa inchaço no peito.
Machuca o pescoço.
Arde em ponta as costas.
Mantém a garganta daquele jeito, asfixiada.

Procuro me esconder por um tempo.

Me encontro a todo momento.
Ponho os olhos pra baixo.
Sorrio sacana, mudo o assunto que me trago.

Preciso me desconcentrar.

Olhar, enxergar,
Ver que lá fora é quase tão grande quanto.

Não consigo me expulsar.

Trago a idéia, construo meus maiores projetos.
Me presenteio com tudo que delicia.

Me convenço o paladar.
Que me devolve em mal estar.

Envenenada de um cheiro e um gosto que não posso me trazer.
É só o que quero.

É só.

Talvez agora eu consiga dormir.

E só.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

um sorrisinho

Todas as crianças haviam saído na fotografia e a professora estava tentando persuadi-los a comprar uma cópia da foto do grupo.

- Imaginem que bonito quando vocês forem grandes: 'ali a Catarina, hoje advogada', ou também 'olha o Miguel.. Agora é médico'.

Uma vozinha vinda do fundo da sala:

- Ali a professora. Já morreu....

domingo, 21 de junho de 2009

sem descanso

Eu fui até lá sabendo que eu tinha volta.
Mudei a roupa só, nem bonita eu fui.

Quis pegar tudo que não tava ali, pra pegar.

De volta.

Vasculhando encontrei mais.
Não quis manipular.

Me olhei na dúvida.
Quase medo o que me bateu.

Segura de nascença,
Ligo.
Quase apago.

Pra me derrubar.
Abro a boca pra socorro

Tem a pena na mão.

Chega com a cabeça cortada.
O olho rosado.
Finjo que não.

Quis pegar tudo que não tava ali, pra pegar.

Me vomitei com urgência.

Tem a pena na mão.

Eu me dou a que penso que tenho.
Segura de nascença,
De ritmo.

Me corto, quebro,
Despedaço.
Racho na sua frente.

Não atende,
Quase apago.

Corro de volta.
Não tenho mais fita nenhuma.
Abro a boca pra socorro.
Me corto, quebro,
Despedaço.

Eu já fui feliz aqui.

Quero encher a minha boca,
Colocar dentro de mim.

Não tenho mais fita nenhuma.

Ergo mansa.

Até.

Era eu a inspiração.

Quebro, despedaço.

Ando depressa,
Invoco o gemido.
O moço da porta que viu.

Solto na calçada.
Abro a boca pra socorro.

Chego com a cabeça cortada.
O olho rosado.

Finge que não.

Eu fui até lá sabendo que eu tinha volta.


.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A que se pode chegar

Em entrega de todo o mecanismo que tive
Resolvi me fazer acesso com o que guardei de uma vez

Estranho que o movimento se carrega de último
Como se um espaço que corro para abrir não se aguentasse em buraco
A possibilidade fosse então uma só.

Me visto aos poucos de um outro abrigo
Me preparo com todas as pontas que encontro
Rezo, sem saber, a escolha de cada pé

Dentro do medo que achei no pacote
Vejo que arranco, pulo pra cima de mim
Me tapo inteira do que me previnia

Entro na luta com quem me chama à dança
Um pequeno reconhecimento faz saber deixar a pá

Me lança a curva para que me alargue em direção ao que me traz limite
A boca é instrumento de corte(sia)

Me entranho no desequilíbrio da suspeita
Percorrida na borracha que me enterra em som

Tento afogar a base seca de cascas
Naufrágio talvez que me salve de entupir o vão

quarta-feira, 17 de junho de 2009

posso ser pior

Estou lendo Almoço Nú do Burroughs.
Seria muito bom se não fosse ruim.

Mas começo a escrever pensando em transformar a sensação que fiquei.
Enquanto abasteço me abasteço.

É ridículo me decepcionar comigo lendo Burroughs.
Bom, pior ainda é não fazer.

Podem rir, eu continuo.

A criação me engole.
Me deixa perplexa.

Burroughs me soca.

Como é que eu posso escrever depois?
Quem precisa ler uma letra que coloco aqui depois de um livro desse?
Me causa grito interno pensar em quantos mais têm por aí.

Constato: Não sou genial.
Isso é de arrebentar.

Escrevo.
É ridículo me decepcionar comigo lendo Burroughs.

Pior ainda não fazer.

"é lá fora que me machuco"

O lutador
de Darren Aronofsky

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um Processo (que não é de Kafka)

Vocês não ouvem os assustadores
gritos ao nosso redor que habitualmente
chamamos de silêncio?
(Prólogo do Filme O Enigma de Kaspar Hauser de Herzog, 1974)


Sinceramente, numa me imaginei escrevendo sobre blog, principalmente um que não se contenta em sua condição de blog e almeja a ser livro. Acho que a realidade atual ou o tal do mundo pós-moderno é um pouco disso, a fragmentação, o ser em pedaços. O blog de Mariana Abbade, sob a Abba de Mariana, “um kaspar hauser”, um anti-herói desencontrado numa aldeia de “vencedores”. Como se fora uma atitude tentativa e tentadora de querer muito mais do que tudo, ou seja, querer nada, porque querer nada é uma espécie de tentativa de superação dos quereres, um querer que sugere a falta. E para preencher essa falta significa afirmar que, de certa maneira, ser nada é possibilidade de ser tudo, considerando que ser alguma coisa é não ser todas as outras.
E para ser sincero, acabo cometendo uma verossimilhança desses fragmentos, ou seja, este texto acaba sendo um apanhado de anotações isoladas que fiz desses poemas e aforismas em que Mariana Abbade desfila entre os mistérios de Clarice e o enigma de Kaspar Hauser. Um pouco para tentar escapar de uma postura acadêmica e analista e, por outro, para tentar entrar um pouco nessa linguagem, como se pudesse falar de dentro, dialogando como o fenômeno no momento mesmo em que ele surge como uma indagação sem o compromisso de uma resposta. Apesar de acreditar que a vida (isso que não sabemos o que é) se dá por inteiro, na mesma medida em que nós nos damos pela metade.
Há um monte de interrogações. Daí, me enrolo nessa colcha de retalhos, que são páginas e páginas em que Mariana Abbade, esse Kaspar Hauser de saias, ao brincar de enganar o tempo, destila a descrença que revela o vazio escondido entre os vazios. Mas somente a descrença permite o ser da poesia, essa menina travessa e cruel que revela os vazios que estão para serem preenchidos.
Há uma passagem muito rica quando narra o encontro-desencontro com a faculdade, a formação do ator, não do ponto de vista do “formado”, mas do formando... um processo (que não é de Kafka), o prazer, a lição.
Sobre o filho, um pouco Shiva um pouco Madona um pouco Maria um pouco Jocasta. A fera lambendo a cria. A fera que se ferifica cria da cria. Variáveis formas de comer o próprio filho.
O mais difícil é a necessidade de falar sem ter o que dizer. Muitas vezes falar se dá num esforço hercúleo neste mundo cão. Eu não sou Waldick não. Crucial falar apenas para impedir que cresçam os dentes. Alors, o que afirmar sobre “um kaspar hauser”? Com quem estão as respostas? Mariana Abbade lança o seu legado e podemos dizer, sem medo de errar, que todo leitor é um co-autor. E que cada um que lê o faz independente da intenção do autor, porque as palavras são as que dizem de acordo com o diálogo que estabeleço com ela. Como a máxima de Millor Fernandes (se não é dele deveria ser) de que “o pôr do sol é daquele que o vê”.
Enfim, o blog “um kaspar hauser” é o rito do pôr do sol.

Wilson Coêlho
Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris

sábado, 13 de junho de 2009

Tenho estado em um vazio de desacreditar.
Eu não podia esperar que não estivesse.
E eu esperei.

Tento me preencher.
Fazer com que cada atitude crie consistência, seja degustável.
Tenho a impressão que consigo.
E consumo com a rapidez do que não vi.

Não encontro o que satisfaça.
Nem entendo onde me fujo.

Há tanta coisa pra me fazer bem.

Confesso que havia esquecido dessa sensação de estar cavada.
Agora, vendo meu buraco, me lembro da gente ter se encontrado outra vez.

Eu quero agora conseguir apontar onde é que me falto.
E alcançar o que me tapa.
Até o próximo encontro.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ser pequena dói

Escutei um choro de criança, de algum vizinho.
Não foi rápido.

Me pegou aquele choro.

Era enorme.
Foi virando grito.
Com algumas letras dentro dele.
Um grito esgoelado.

Lembrei da imagem do meu filho.
Que naquele choro bate a perna com força no chão.
Bate o braço onde puder bater.
A cabeça ele sacode e segura com as mãos.
O choro do vizinho tinha esse corpo.
Era ao máximo.
Um choro que faz explodir.
Que faz tudo vazar.
E o entrega em sono, em desmaio.

Eu queria ter de volta esse meu choro.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

sexta-feira, 5 de junho de 2009

eu preciso nos ter bem

Precisamos da coragem que nos tiramos a todo momento.
Precisamos confiar e abrir espaço pra nos transformar.
Precisamos inspirar as possibilidades possíveis que acompanham o trajeto duro que temos.
E nos enxergar vivos apesar da fraqueza que nos monta.
Temos que nos enxergar indivíduo e produzir nosso alimento através dele.
Trouxemos a alegria conosco. Não abrimos mão dela.
Esse escuro é aquele lugar que vai, sem outra possibilidade, nos iluminar outra vez.
Cada passo tem sido construído, mesmo o incerto.
Temos o maior amor possível.
E que por ser não deixará de ser.

terça-feira, 2 de junho de 2009

continuando...

Largando aquela besteira na carteira, fui sempre autônoma.
Minha mãe fica em arrepios.
Com pena de mim, que não estou no lugar daquela amiga funcionária pública, feliz pra burro, com aquele trabalho ma-ravilhoso e que não é nada, não é nada, ganha 2 pila e meio por mês.
Posso fazer qualquer trabalho, se precisar.
Não que não tenha orgulho.
Quase morro com ele.
Antes de morrer o transformo.
Mas tenho que admitir que esse embate não consigo transformar.
É a falta de capacidade.
Não sei estudar.
Minha maior tortura desde a 4ª série foram as provas, os testes.
Eu me sinto uma fraude de ter uma faculdade concluída.
Eu me sinto uma fraude de ter uma faculdade PÚBLICA concluída.
Antes ainda por ter sido aprovada no vestibular.
Não era difícil na minha época, claro que não.
Mas fosse a mais abandonada das faculdades eu não me imaginava em uma tão rápido.
Tinha planos como caminhoneira.

Não fui caminhoneira.
Por conta disso nunca aprendi a dirigir.
Alguma coisa nos filmes e vídeos que vim fazer depois.

Atuei em um que nunca vi.
Escrevi e dirigi outro que quem dirigiu foi Lipe.
Fiz a produção de um que quase não teve produção.
E outro que abandonei na pós.

Antes disso fiz canto e achei que fosse cantar.
Depois aprendi um tico de pandeiro.
Mexi no final cut que tinha em casa pra editar aquela porção de vídeos do mocinho que dorme aqui do lado agora, pendurado na mamadeira.
O que me fez sentir produzir além do leite (pouco), já que não era um momento de viver lá fora, pude inventar algum lugar.

No fim do ano passado fiz um workshop com Domingos Oliveira.
Foi quando não me entendi mais como atriz.
Isso me mexeu do pé à antiga moleira.
Rachadura que tive que entrar.

Escrevi pra me reconhecer.
Também pra me explicar.
Inaugurei esse espaço virtual que me é companheiro dos melhores.
Convidei amigos pra me dar um apoio.
Me deram.
Alguns outros que não conhecia chegaram.

Tenho confiança tal que duvido de mim sempre, com prazer.
Quando penso em algum texto que fiz chego a ter vergonha.

"Prezada Mariana, informo que a Multifoco possui interesse em publicar o seu texto".

Perdida na Lapa, telefonei pra mãe, lu, rô, lipe, comi um chocolate.
Veio o impossível.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

estágios

Queria ter precisão e confiança quando me perguntam: - Profissão?
Hoje até que me divirto: - Me dê as opções!
Tenho uns 5 registros profissionais na minha carteira de trabalho.
Nenhum deles corresponde às atividades que tive registradas ali.
É de abalar.
Ou rir.
Rio de nervoso.
Falei do meu pai ali embaixo e uma das memórias estonteantes que tenho é de contar quase gargalhando a notícia da morte dele às meninas, Pati e Soft, que moravam comigo na época.
Estou com minha carteira de trabalho vagabunda na mão.
Lendo o que tenho aqui.
É mesmo de gargalhar.
Vou contar.
Registro de atriz.
Terminei a faculdade de cênicas em 99.
Vá!
Depois de sonoplasta. Sonoplasta!
Me imagino procurando trabalho.
Assistente de direção.
Uma vez enganei a Sueli que ia trabalhar como assistente dela.
Me candidatei e não tinha idéia nem como interpretar, vê só como assistente.
Colocaram meu nome:
Assistente de direção MARIANA ABBADE.
Meu primeiro golpe profissional.
Vamos ser justos, esse golpe não faz mal a ninguém.
Bom, a mim se acreditar.
Depois direção teatral. Eu queria audiovisual.
Não muda a falta de utilidade.
Professora por dois anos.
Uma das coisas que menos sou é professora.
Talvez mais sonoplasta.
Mas foi um exercício dos mais envolventes.
E teve um trabalho arrasador de dois meses em uma imobiliária em Curitiba.
Secretária.
Tinha que estar mais completo.
Secretária-do-irmão-do-dono-que-queria-me-comer.
Não o irmão, o dono.
Menos mal.
Meu chefe era de tremer os nervos.
O irmão fodão, empresário, que usava um carro baixinho, sem teto, que parece brinquedo e casado com uma mulher linda de doer liberou uma sala e uma equipe pro irmão doente fazer negocioterapia.
Eu tinha o que?
Acho que 18 ou 19.
Foi um dos momentos que mais li.
Atendia um telefone que não tocava.
Em dois meses deram alta ao meu chefe.
O chefão dono de tudo me chamou na sala dele.
Disse que não ia poder continuar com Lauri lá.
Será mesmo que lembrei?
E perguntou se eu não queria continuar na empresa em outro setor.
Ia ler menos, talvez ganhasse um pouco mais.
Lembro que estava magoada com ele pois tinha sido patrocinador de um show do Gil lá no Guairão que não tive convite.
Ele disse que não sabia.
A secretária dele, cretina, disse pra mim que ia falar.
Rimos.
Ele perguntou quando tinha sido minha primeira vez.
De novo.
Ele perguntou quando tinha sido minha primeira vez.

Tempo.

Não tenho clara referência sobre o que é certo e errado e sou lenta pra absorver.
Claro, se ele me perguntou, ele chefão, empresário, que usa um carro baixinho, sem teto, que parece brinquedo e casado com uma mulher linda de doer.
Eu respondo.
Saí de lá com a mesma sensação de quando assistia SBT na infância.
Mesma falta de sentido.
Disse depois estar pesado trabalhar de dia e faculdade a noite.
Um bom tempo depois estava numa praça, fazendo trabalho de pesquisa.
O chefão passa no carrinho de brinquedo.
Acenou.
Vi muito depois.
Acenei.
Em minutos ele passa pelo mesmo lugar.
Fez a volta.
Parou do outro lado da rua.
Dei tchau e um sorrido simpático nervoso.
Ele respondeu.
Ficou parado.
Continuei a trabalhar.
Ele ainda estava lá.
Me olhando.
Continuei trabalhar.
Queria tanto um convite pro Gil.