segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Assim que passou a haver tudo quanto não havia

Eu preciso escrever alguma coisa bonitinha aqui pois minha mãe não gosta quando fico só de escrito triste.
Ela diz que vem olhar com um olho só pra ver o tom que as coisas estão, se estiver deprimente ela fecha e corre pra outra página qualquer.
Meu irmão disse que além de deprê, acha que eu tô dando mais que chuchu na cerca.

Aproveitando o momento eu vou escrever pra eles.
Podem ler até o final!

Estou escrevendo um roteiro que tá me enchendo o saco.
Porque tá me levando de volta a um monte de coisa que tem me deixado em paz por hora.
Melhor não ficar cutucando demais.

Meu filho é um dos melhores, não é por ser meu não.
Ele contagia.
A gente dança estranho juntos, canta gritando em microfone de colher, brinca de composição com palito de sorvete e resto de tecido, tudo ele tá dentro, na maior energia.
Tem três dias que tá um saco!
Hoje conversamos. Falei que antes de ontem achei que ele estava chato, ontem também achei que estava, hoje tenho quase certeza que ele é.
Se ele soubesse dizer ia me retrucar uma maravilha.
Sorte, ou azar o meu.

Ontem num momento caótico que tudo irrita peguei a criança, coloquei no carrinho e Vamos Andar!
No caminho tivemos três convites de carona.
Como não tinha rumo nem pressa, recusei.
Vi que os bares estavam cheios de brucutus de uniforme virados pra uma tv.
Eu já gostei de futebol, antes de morar no Rio.
Aqui devia ser semana sim, semana não.

Bom, de pirracenta eu passo no meio deles que ocupam a calçada toda, faço todo mundo se mexer.
Tito ainda não tem vergonha de mim.

No caminho vi um desses, um senhor, caindo.
Vi que ele ia cair, fiquei apavorada, ele ia de cabeça no chão.
Ele passava pelos outros que não o viam. Não o viam.
Eu gritava coisas, essas coisas que a gente fala e não sabe depois, eles me olhavam e era como se eu estivesse vendo fantasma. Só eu.
Corri com Tito pro outro lado da rua. Onde ele estava.
Caiu antes da gente chegar.
Os outros continuavam passando, sem enxergar.

Chegamos perto e vi que ele teve a sorte de cair num canteiro.
Eu perguntei a ele o que estava sentindo.
Ele disse que estava ruim.
Mamãe, caiu!
Direto ao assunto: O senhor bebeu?
Bebi, bebi.
Ah, que bom! Pensei que fosse coração.
Caiu, caiu.

Parou uma família com a gente.
Mãe, pai e filho.
Eu perguntei onde ele morava, que a gente podia levá-lo pra casa.
Caiu, mamãe, pá!
Perguntei se ele morava sozinho.
Disse que morava com a mulher.
Eu disse que levava ele em casa, que ia escutar um bocado, mas pelo menos chegava lá.
Disse que não precisava.

Começou a dizer que estava puto.
Que na verdade, na verdade, estava puto.
Caiu, caiu!
Eu disse a ele que na verdade, na verdade eu também estava.
E que de verdade, meu filho também estava.
E também de verdade, bem verdade eu não tava afim de escutar a história que ele não conseguia contar.

A mãe da família disse pra eu não falar assim que ele podia ficar irritado.
Só empurrar de volta pro canteiro, eu disse.
Porque eu e eles, esses que caem, temos uma ligação profunda.
Sabemos lidar um com o outro.

Por fim ele saiu se segurando nas grades e foi.
Eu fui até a esquina acompanhando pra ver se ele não corria risco de ser atropelado.
A família já tinha ido.

Hoje estive com o...péra...vou pegar o cartão.
Flávio Eli T. Silva.
Massoterapeuta.
Cego.
Nossa, eu fiquei com essa imagem de um cego fazendo massagem, achei incrível.
No cartão não tem CEGO, falei pra ele que devia colocar.
Riu, por sorte minha.
Vivo em risco.
Conversamos um tanto e eu vou lá qualquer dia.
Não posso deixar essa experiência.

Estive fazendo uma oficina pra professores.
Que foi muito gratificante.
Um público muito carente de tempo e espaço pra aprofundar, ampliar repertório.
E tão aberto, receptivo, rico mesmo no que falta.
Eu me dizia ex-professora e me vi de volta à labuta, com prazer.
Mas lembrei o que me pega na área de educação.
O correto.
Tudo tem que ser dito de forma correta.
Os têrmos.
A gente não pode chamar o Flávio de cego, ele é deficiente visual, agora talvez diferente...Eu me sinto muito mais próxima chamando o Flávio de cego.

Esses dias estava sem um puto e sem nada pra comer.
Virei pro Tito e falei: Vamos brincar de resto?
Conseguimos um almoção, juro!
Estranhíssimo mas imponente!

Voltando pra casa peguei o ônibus que me trás com o cobrador careca que faz do trabalho dele a parte mais agradável que tem no dia.
Ele tem uma gentileza, um prazer em conversar com as pessoas, facilitar, ajudar, fico fascinada.

Queimei meu teclado há um tempo atrás.
Peguei um provisório pra não pagar 180,00 em um novo, por ser da apple.
Não tenho acento nenhum.
O que demorava minutos pra escrever fico horas caçando acentos e cedilhas, completando.
Pedi a uma amiga que me mandasse agora todos os acentos em um e-mail só.

A cor tá de volta pra onde vejo.

Eu quero tudo, tudo, tudo da vida,
E meu tudo é esse quase nada de tudo.



3 comentários:

tainah disse...

e esse post me contagiou... aqui você me empresta (cede, dá) seu cotidiano e alcança e alcança...

Marina disse...

adorei!

Tatiana Monteiro disse...

Poxa Mari, tá difícil de desapertar o peito depois de te ler. Onde é que você anda afinando essa língua? Que bom que tua alma não é cega. Tem visão perfeita. Te amo coisinha.