sexta-feira, 26 de março de 2010

uma questão de besouro

parece brincadeira.
escorregão.
esquenta voltar pra outro play.
uma música só.
dependuro num repete adolescente
no mesmo desejo
um lugar, outro, movimento
encontrar o que parece óbvio, enquanto ouço
recordo uma voz
alguma coisa que não conhecia,
num quase pra saber,
o quarto onde coloquei minhas coisas, depois da minha irmã ir morar em outro lugar
me tranquei num frasco da benzina
dentro do mesmo disco
fui embora

sensação de mobilete.
da bicicleta na descida da avenida Paraná.
de andar por horas de madrugada, depois da noite que bebi.
dormir na calçada ou na mesa de fora de casa.
da janela e o cigarro na parada do ônibus de viagem.
das duas mochilas que trouxe quando vim.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Tai

Esses tempos tenho enfiado tudo meu pra reestruturar minhas coisas. Acho demorado, me sinto presa, fico frustada de não por tito no bico e bater meu braço pra algum lugar.
Mas você me lembra por onde mais dá pra bater, pude ir.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Inda de lambuja o carneirinho

De volta da rua, comida na sala, criança no fogo.
Um restinho de luz atropelada pela multidão de nuvem preta urrando tragédia.
Cueca vermelha molhada porque está aprendendo avisar (depois).
- Bainho rápido, vai acabar a luz.

Escapo rapidinho pros 7, 13 anos.

No barulho de nuvem nervosa, chinelo de borracha pro pé de todo mundo, toda tomada desconectava.
- Vamos pegar o carro! A gente corre pra uma cidade sem chuva, espera, volta depois...
Não entendia, mesmo, porque o riso (tenso) da minha mãe não se mexia.

Foi assim depois do Nabor.

Nossa casa ficava numa praça, na frente dela. Do outro lado, mais pra cima, a dele.
Umas coisas eram previstas lá em casa.
Que raio caia em casas, e diabetes em quem comesse muito doce.

Meu irmão ficou ruim, ficou no hospital.
Vivia lá.
Dessa vez não sabiam que era.
Uma suspeita, depois confirmou. - Diabetes.
Minha cara toda mexeu.
Sempre disseram, até ali eram só meus pais.

Diabetes.
Falaram. Antes, depois.

Numa noite, depois disso, a gente acordou de madrugada num clarão do outro lado da praça.
Fogo do tamanho que não conhecia.
Fomos lá mãe, pai, três moleques.
Estavam na praça, em cima dela, a mãe, o pai, dois moleques.
De pijama.
Um moleque machucado, a mãe jogou da janela pra ele não queimar.
Foi a geladeira.
Um raio na geladeira.

Talvez meus pais tenham dito coisas que não aconteceram, lembro só do raio e do diabetes.

A vizinhança levou café, biscoito, pão, roupa.
Formidável que as coisas aconteçam.
E na madrugada.
Pra criança, um presente.
Madrugar na grama da praça. A casa no fogo. Vizinhança. História de medo. Café, leite, toddy, pão, biscoito.
Vivi aquele raio todas as noites depois.
Até que umas semanas depois, pai, mãe e um dos moleques morreu de carro na estrada.
Foi difícil dormir.

Dois medos me travavam as pernas: chuva e espírito.
Gente que morria era espírito.

O medo da chuva passou depois que meu irmão disse que a luz vinha antes do som.
Via o clarão, via que nada queimava, sabia do barulho antes dele me pegar.
A gente sentou pra comer, já tudo escuro.
Disse antes de acabar a luz, que ia acabar.

Faltava comer, escovar dente, mamar pra dormir.
Nada de vela.
Acabou.

Medo do estrago que ia saber dia depois.
Pensei rápido sobre o pé no chão.
A janela parecia querer quebrar.

Meu pai nunca teve medo.
Minha mãe ia de um lado pro outro, rezava, dizia Minha Nossa.
Podia, tinha lá meu pai.

De pé no chão, molhei o braço dele na janela.
Deitamos no calor.
Fazendo como normal.

Sem tv as pessoas falam mais.
Sem ventilador ouve mais.
Expliquei outro dia que o barulho é o vizinho, não o lobo.
Acordou gritando: medo, medo. Medo do vizinho.

Achei melhor cantar.

Não dormia nunca.
Dissemos o nome de todas as pessoas que a gente lembrou.
Mais cantoria.
Não aguentava mais, virou pro lado de lá, parou de procurar meu braço com a mão.

A vizinha gargalhou.
Abriu o olho, virou rápido pro lado que eu tava, não disse.
A gente sabia: a bruxa...

quinta-feira, 11 de março de 2010

perguntaram pra ele:

Tito, que cê vai ser quando crescer?
- menino.

segunda-feira, 8 de março de 2010

acho que aqui é sacolé

Tinha 14 anos no primeiro trabalho.
Auxiliar de auxiliar de creche.
Recebia nada, fora o cheiro que lembrei hoje.
A Débora que começou.
Era 1ª auxiliar.
Todo mundo adorava.
Todo mundo da creche e fora de lá.
Linda, linda.
Nunca tinha visto aquilo.
Chegou na escola com 14 anos.
Andava com a bunda pra trás, perna distante da outra.
Cabelo preto-preto, enrolado de bola, pele branca-anca sem risco nenhum e a boca vermelha.
Foi uma semana.
Uma semana pra toda boca de menina ser vermelha, bunda empinada e perna distante da outra pra andar.
Não tinha mais chance nenhuma, ninguém existia fora a Débora na oitava série.
Fazia tudo do jeito que a gente queria fazer.
E jogava bem volei que toda a gente treinava.
Ainda isso.
Com um metro e pouquíssimo.
Peito, bunda, perna, barriga não.
As crianças enlouqueceram.
As professoras, diretoras.
Da escola e da creche.
Me apresentava quase todo dia, ninguém lembrava.
As crianças não riam nem tentavam meu colo.
A professora pra não dispensar funcionária que não custa, pedia pra buscar papel, tinta, chamar alguém.
Pros meus pais era bonitinho ver subir na bicicleta depois da escola dizendo ir trabalhar.

Lembrei que não.
Não foi o primeiro não.
Com 11 até 13 fiz geladinho pra vender.
Com a Paty.
Com y.
Fazia na casa dela, com aquele suco em pó baratinho, esqueci o nome.
Ki Suco. Lembrei.
Depois ia de casa em casa com isopor.

Teve a loja que a gente montou.
Nessa idade também.
Toda coisa que a gente não gostava mais, a loja vendia.
O ponto não era tão bom.

Um pouco antes, a gente montava cabana na rua.
Cobrava ingresso da molecada e apresentava peça de teatro.
Já lá dentro da cabana, depois da venda de ingresso, a gente avisava às vezes que não ia ter apresentação aquele dia.