quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

precinescessário

Nunca dinheiro foi, pra gente, questão pra ter ou não ter filho.
Pra se ter filho não precisa de quase nada.
Ainda mais pequeninho-inho, que acaba de chegar.
Cabe em qualquer lugar, come peito até bem adiante.
Fralda vem de todo lugar.

Vou corrigir uma coisa.
Alguém precisa ter, a mãe e o pai não.
Os filhos que vieram antes doam coisas incríveis: móveis, roupas, brinquedos - fundamentais.
Incrível, como funciona!

Quando começa a ver que precisa comprar short, Marina vem com a sacola exatamente de short que no Guel apertou. Percebe que uma sandália só não tá dando, Mariana entrega a do tamanho ideal que não entra no João. Depois da festa do amigo de três, descobre um mundo que anda, acende, monta, conversa. Dia seguinte vem Leon e Fernanda trazer a gente e uma mala dessas que faz a bagunça variar melhor.

Corrigir pouco mais:
Algum precisa.
Bem menos que se fala por aí.

Tem o dinheiro da escola, pra escola, esse dinheiro é grande.
Mas uma tal falta de dinheiro que não miserável faz fazer o que a gente paga, inventar.

Mas vou falar o que vim falar.
O que realmente falta e sufoca é contar do barco e não sair cinco da manhã num passeio n'água.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

às vezes Bukowsko

Volta de uma Ida Carnaval, acompanhada do roxo, rasgo, e da pele do dedo que pendurou.
A carona facilita o que sempre transtorna.
Talvez cansada, deu beijo e abanou antes de chegar.
Vejo o ônibus que demora mais à noite, mais no feriado, passando longe de mim, no feriado à noite.
Aproveito o boteco, peço um salgado, assado.
Nele (no boteco, não no salgado), uns moços, desses que não agradam.
Em bando.
A voz firme de quem fez faculdade e um filho.
Estico pra pegar a mostarda, um desses me ajudam, agradeço sem olhar.
Como tudo, salvo o papel que dou pro cesto já vomitado.
Vou andando numa saia de dois palmos e numa blusa vermelha que abre pra mostrar a coluna. Uma flor na cabeça me diz que bebi. O sutiã vermelho aparece e some na meia blusa.
Sigo o caminho que pode me trazer um ônibus.
Vou dando boa noite pros moços na rua, no escuro.
Agora devem dormir.
Devo ser a última que não parei.
Ali do lado de lá vejo um cachorro grande.
Olhando bem, parece um porco.
Comendo saco de lixo.
Um cachorro fazendo graça, óinc.
Os outros sem fantasia.
Percebeu que eu vi, vi o rabo, olhou a flor e parou o olho nela.
Viu o aberto da blusa, talvez o sutiã vermelho, e quase certo o short que não era pra ver embaixo da saia que erguia e voltava enquanto eu corria daquela fantasia.
À frente uma gente.
Um sorriso de cá besta de quem pede desculpa do ridículo.
Volto andar, de imediato.
Quase vejo a casa, a minha.
Dois meninos de treze anos me olham com cara de 32.
Cumprimento com voz de quem separou e trabalha com arte.
Sinto que a vida funciona quando ele abre o portão pra eu entrar.
Boa noite!
Salva.
Finalmente.
Tem ainda ela ali.
Um boa noite só, o último.
Ela tem olho de porco.
Não corro.
Pode ter gente ali.
- Boa N..
- Como é que eu faço pra falar com o Juan?
- ...não conheço.
- Do bloco 8.
- Não sei.
- Vem comigo.
Sai na minha frente, um pouco pro lado, um pouco pro outro.
Eu vou, não pelo Juan, continuo onde ia.
Virei onde ela não ia - Boa noite!
Era o último.
Não esqueci, nem perdi a chave de casa.
Consegui.
Não acendo a luz.
O Juan.
Banho-banho.
Suco de fruta natural.
Mania de agora.
Abacaxi com hortelã.
Sem açúcar que é pra valer.
Sentar.
Santo Deus.

Interfone!

Corro como se meu filho não estivesse em viagem.
- A Mila está aí?
- Quem é Mila?
continuo:
- Quem fala?
- É a Mirian.
- Que Mirian? Que Mirian?
- Do bloco 1.
- Não conheço, ninguém, nenhum nome, nada, nada.
- Desculpa, boa noite.
O último.
O pufe.
O suco.
Escovar o dente, ahhh.

Toca de novo!
De novo!
Que há?

- A Mila está aí?
- Que tá havendo, não tô entendendo, a segunda vez que me perguntam dela aqui, quem é essa?
- Minha mãe. O porteiro deu seu nome e apartamento.

Ódio.

- Sua mãe é uma que estava aqui no prédio, ali fora agora (com olho de porco)?
- Sim, ela.
- Eu não a conheço, só cumprimentei. Está tudo bem?
- Olha, desculpe, desculpe.

Numa vergonha de passarinho.

- Olha, não se preocupe comigo, qualquer coisa que precisar, pode me chamar.
- Desculpe, mesmo. Boa noite.
- Olha...
- Ãhn?
- ...fiquei com a impressão dela pular no Bloco Oito...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

por minha cabeça não passava

umas coisas ando vendo que meu filho escuta:
filho, chupa o sorvete senão acaba...

Anda na carência do filho que dorme com a mãe na mesma cama.
E que descobriu lobo mau, a bruxa e o fantasma.

A gente correu prum festival de teatro de animação.
Lá uns argentinos, uns bonecos e umas gracinhas bilingues.
Legal.
Chega um fantasma.
Com mais ou menos dez centímetros e alguns metros pra lá.
Cada vez que aparece um susto, pulo e abraço de corpo todo.
Achei uma bobagem o início disso.
Mas lembrei a grandeza.
A morte e o sinistro e as figuras.

Ficou bonito depois que pensei.

Hoje me pede a cada meia hora.
Dormindo já.
Lembrei que depois de casada já (e ainda), depois do pesadelo acordava Lipe e pedia que ficasse acordado até eu dormir.

Segunda decidi não ir à escola.
Levar.
Não tinha nada sério pra fazer, ficamos juntos.
A casa um lixo do fim de semana.

Lá por quatro da tarde, sem sono e muita excitação, não vinha sorriso nenhum. Não me vinha sorriso nenhum.

Martelava a imagem da cozinha de louça na pia, o chão esfarelado e as bolas pretas, o cabelo no ralo do banheiro.

E a voz e o tom mais lindo: desenhar, mamãe, vamos?

Dizendo com raiva de quem TEM que dizer: Não, filho, mamãe não consegue desenhar agora.

Pedi que desenhasse sozinho e mostrasse enquanto limpasse a cozinha.
Bom como é, fez.

Nossa, outra coisa.
Quase tudo mudou.
Quase tudo mesmo, tudo, tudo, quase tudo.
Faltava o pano na sala.

Senta ali no quarto com o quebra cabeça, só enquanto passo aqui.
Santo, santo, senta e mexe nas peças que nem sabe encaixar.

Pano, pano.
Não gosto deles.
Deu e muito bem vindo.

Incrível o riso.
O prazer do filho de volta.
Da gente ali só a gente.
Da bagunça sem sujeira.
Do espaço.
Da sensação de capaz.
Da vontade de recortar.
Lindo.
Nossa, lindo. Delicioso.

Mas ia falar de outra coisa...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

um dia na vida dessas pessoas cujas histórias se cruzam por coincidência.

Entrei no banho pra preparar, lavei tudo que alcanço.
Desodorante, roupa bonitinha, retoque na bagunça do cabelo, ajeitar coisas, anotar, pastinhas, papéis, enfiar na bolsa.
Pagar conta.

Excitação.

Bora, bora e não dá pra almoçar.
Itaú tudo rápido.
Monopolizo a caixa 20 minutos.

Caixa Econômica.
Tremo de entrar lá.
Fila pra pegar segunda via.
Fila pra pegar segunda via!
Uma moça simpática que tá lá.
Simpática mas uma só.
Vai indo.
Meu olho deu pra tremer.
Uma vez meu irmão, numa hora assim de olho tremido, fez exame de glicemia em mim, era hipo.

Entra ali no atendimento uma menina.
Cara de novinha.
Cabelo liso, preto, enorme.
Sombra, blush, um batonzinho.
Olho verde, dente e pele branca.
Magra.
Brinco, pulseira, colar de pérola, anéis.
Não sei tirar o olho dela.
Nada sem enfeite.
Exageradíssima.
E linda.
Senta no lugar da outra.
Por que se tem lugar do lado?
A outra despede.

Sombrancelha pra cima e pra baixo, boca aberta, apertada, bico.
Sabe que todo mundo só sabe olhar ela.

Uma mulher cheia de criança pede prioridade.
Resmungos dos 50 minutos da espera.
Outra com barrigão.
E o pessoal.

Converso com gerente: mais atendente!
Não tem, diz simpático.

A que acompanha a grávida fala que é mãe dela, acho mentira, não sei porque mentir sobre isso.
Raivosa no ouvido da filha:

Tem direito.
Eu processo isso aqui.
Trabalho com advocacia.
É lei.
(...) barraqueira.

E repete.
E repete.

Não acaba nunca o atendimento da pessoa antes dela.

Repete.

E eu sem ficar quieta: Faz mais mal isso que se ela esperasse...
E claro:

Primeiro, não falei com você.
Segundo que é lei e ela tem direito.
E não tem que ninguém olhar feio.
E se ela não for atendida eu processo isso aqui.
Trabalho com advocacia, conheço.

Aos berros.
Pronta pra me bater.

Sabendo da minha incompetência com briga, sorriso de mãe: Vai ser atendida, vai ser atendida, mas vai, vai sim, sim, vai ser atendida.

Silêncio.
Atendidas.
Fofoca depois.

Minha vez e ela, a Carol, cabelo preto-preto, pele branca-branca, não tem senha pra segunda via. Não tem senha pra segunda via!
1:50 minutos depois.
Bonita e bem humorada me encaminha.
Rio também.
Bonita.
Bem humorada.
De novo o gerente.
Não tem senha!

Pede pro moço bonito que parece inteligente tirar lá em cima.
Peço pra esperar na fila, levanta o dedão, vai e volta com a segunda via que da próxima vez falo com ele antes da Carol.

Duas horas e vinte.

O gerente me viu: Tadinha...

Entro no ônibus sem ar condicionado.
64 graus.
De repente, sem preparo, e o sol amarelo que nem pisca:
Uma chuva de sapo.
Se não foi, esqueceram os sapos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

e quem é que sabe a palavra que é

Depois de um dia de churrasco que nunca como e bebo demais, cheguei e deitei dentro da roupa que vim.
Era cedo.
Bom porque era cedo que tinha que acordar também.
Meia noite abri o olho.
Vim, olhei a hora e voltei pra cama dormir.
Não dormi.
Voltei pra cá.
Voltei de novo depois. Pra lá.
Não tenho nunca isso de acordar depois de dormir.
Tenho sempre na verdade, até hoje todos os dias. Mas não assim de madrugada.
E detesto.
Uma vez que foi assim, depois de anos sem insônia, acordei de madrugada, não conseguia mais dormir de jeito nenhum. Levei meu colchão pra sala. Sentia uma coisa estranha no corpo. Na sala também não dormi. Voltei pro quarto. Lá em Curitiba ainda. Então de novo peguei no sono, já quase amanhecendo. Minutos depois minha mãe liga. Era a notícia que meu pai tinha morrido.
Ontem fiquei nesse medo do telefone.
Tanta gente pode morrer.
O do vizinho tocou, 5:25hs.
Fiquei na agonia que Tito não estava, sensação de culpa fortíssima, de ausência, negligência, descaso. Quase liguei três da manhã pra perguntar se todo mundo lá respirava.
Fui escrever no caderninho que faço pra ele desde que nasceu.
Voltei a dormir seis, seis e pouco.
Acordei nove, era pra acordar antes.
Liguei pra Lipe e pedi que não levasse Tito pra escola, que eu estava indo pra lá.
Disse pra mim que precisava descansar um pouco, que Tito acordou uma da manhã e voltou a dormir às seis.