sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

um Kaspar Hauser

Passei anos da vida sendo nada.
Isso parece profundo mas não é nada.
A vida me foi inteira quando criança.
Grama, fruta do pé, terra, água, os vizinhos, bola na rua, rio paraná e família grande, boa de visitar.
Parece aqui bláblá de tia velha mas são imagens quentes na memória e no corpo.
Aí os anos vazios. Adolescência.
Decisivos.
Meninos, amigos, insegurança.
Quanto mais desinteresse, mais interessante.
É hora de preconceitos, discurso pronto, rir do amor, dos velhos, da professora careta, ouvir janis, cheirar loló e definir: você é demais, ou fracasso.
Aos 17 fui morar em outro lugar.
Chorei meses.
Eu era demais.
Conheci gente legal quando ia fumar no intervalo da aula, passou rápido.
Fim do ano vestibular em Curitiba.
Nunca soube física ou matemática. Nem geografia sabia.
Fiz prova de interpretação. Improvisação.
Não abri a boca, não soube abrir.
Passei.
Não contei a eles que nem história eu sabia.
Greve. Fiquei mais tempo na cidade de meus pais.
Alienada que sou não sabia que a gente faz algo na greve.
Cheguei depois. Não entendia nada.
Nem o formato da faculdade.
Tão pouco, nem perguntar eu sabia. Não formava frase. Não sabia o que eu não sabia. Quieta.
Platão!
As pessoas diziam.
Era com intimidade.
Fiquei de fora.
Sem perguntar.
Não sabia, um personagem de Shakespeare, figura mitológica, teatrólogo?
Quieta.
Nem o formato sabia.
Falava quando assunto besta.
Jeito de sobreviver.
Assim por dois anos. Rindo. Besta.
Gostava do que liam, como falavam. Eu não podia.
As coisas andaram. Ignorei a maior parte.
Pensei em sair. Não tinha talento, sabedoria.
Fiquei.
No terceiro ano entrou uma professora nova. Sueli. Invocada. Durona.
Perguntou pra cada um o que pensava em alcançar praquele ano.
Eu disse rápido: Perder o medo.
Vergonha enorme de ter dito.
Do medo, dos amigos que sabiam, agora.
Como se levantasse a saia e baixasse a calcinha rápido!
Foram duas montagens no ano.
A primeira me diverti.
Com medo ainda. Menos. Sem talento.
Ela disse: - canastrona.
Isso eu aprendi.
Canastrona era pra desistir!
Eu senti que estava indo. Quieta.
Queria o prazer.
A segunda montagem enlouquecedora.
Tinha a imagem, o som. A idéia. Era boa a idéia.
Meu corpo não sabia aquela imagem. Meu som idéia frouxa.
Momentos que sim. Perdia em seguida.
Sem talento. Nem sabedoria. Momentos.
O prazer deles viciante.
E o dia da estréia, acho que uma apresentação só.
O maior prazer meu no palco.
Sem medo. Primeiro momento sem medo.
A idéia ali. Nos dedos, na palma da mão.
Uma imagem. Não correta. Viva.
Ali pude falar. Dizer que não sabia.
Ela me viu, vi ela me vendo.
Me reconheceu.
Queria que me visse.
Quis nascer ali, na forma que pude.
Sem vergonha, talento ou sabedoria.
Como pude.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009


Hoje foi mais um dia que passou por cima de mim.
Diversos ônibus pra alcançar o rabo do tempo.
Algo que eu gosto muito nesses dias. Dos ônibus.
Um momento de ficar olhando a cidade, pensando alguma coisa.
Na maior parte coisa nenhuma.
Em alguma dessas viagens pensei bastante em algo pra escrever. O que poderia me fazer escrever.
Eu escrevo a maior parte das coisas pra dizer alguma coisa que eu queira e não consigo ou não posso.
Como o dia foi um desses que atropelam, cheguei em casa tarde.
Chegar em casa é um dos maiores prazeres.
Chegar em casa depois de um desses dias sem almoço.
Chegar em casa depois de um dia assim, com um sol desse de fechar o olho.
Chegar em casa, encontrar meu melhor filho sorrindo de boca inteira é de lascar, de fechar o olho, dos maiores prazeres!
Escrever agora uma da manhã sobre ele que não me deixa escrever.
UM ano!
Já faz um ano que a gente convive, negocia, fecha acordos, surpreende.
Faz hoje, dia 21, UM ano que vivi momentos que lembro com som, lembro o cheiro.
O ritmo do meu corpo era outro. O pensamento não achava espaço.
Ou se achava era uma pequeneza.
O corpo agia, sem parar. Bicho.
Meu menino faz UM ano.
Se movimenta pela casa, fala algumas coisas, gargalha, encara, entende a malícia, o suspense e tudo que a gente conversa com ele.
Chora grosso.
Conhece Curitiba, Campinas, Toledo, Foz e Umuarama. Rio Bonito de Cima. O rio, o mar, a piscina do prédio da madrinha.
A escola também.
Minha criança tem um olho de enlouquecer, um sorriso de boca inteira.
Quase todos os dentes que a idade deixa.
A pele parece brincadeira e o tamanho de quatro gavetas.
Largou o peito, a chupeta.
É cuidadoso. Só come o que cabe na boca.
Meu filho é outro caminho.
É o caminho que é pra todos os lados.
Bate palma, filho!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

indo pra lá

Você pode achar engraçado, estranho ou mentira,
que ache.
Minha amiga se chama Lucía com acento no i.
Comecei e tremi. Tenho duas horas pra pensar nela sem edição.
Duas horas pra lembrar e sentir tudo que posso. Em duas horas terei novamente em casa meus super-heróis. Que me dão um trabalho de cão.
Bobagem.
Cão não tem trabalho algum. No máximo uma cheirada, uma corrida e um biscoito.
Não tem problema, o que importa é que tenho duas horas pra pensar sem edição sobre a minha amiga com acento no i.
E preciso não editar, pra que esse escrito faça sentido.
Se não pra ela, ao menos pra mim.
Preciso ao menos tentar começar.
Falar dela e não sobre o trabalho do cão.
Falei isso e fui passear um pouco. Passear por aqui mesmo, no computador.
Uma luta começar.
Vou passear mais um pouco.
Fui e voltei um dia depois.
Nesse dia todo não concentrei em você.
Estou indo ao encontro dos meus dois. Amanhã é sábado. Fim da semana.
Vou esperar pela segunda.

...

Segunda, 12 de janeiro de 2009.
Amanhã é meu aniversário.
Ela devia fazer um texto pra mim.
Ela faz tanta coisa pra mim.
Um texto pode ser que não.
Ela me liga pra saber como estou, o que decidi pro aniversário, precisamos nos ver pra fazer as coisas pra festa, se dedica na idéia da piñata, tenho que ligar pra Nina pra ela pintar as crianças, quer buscar Tito na escola hoje, levá-lo à praia outro dia, tomarmos sorvete. Tinha dado ponto final e atendi o telefone. Me convida para o japonês. Tomarmos uma cerveja amanhã.
É assim.
Às vezes as propostas se dividem em alguns dias, na maior parte vêm juntas numa mesma ligação.
Digo que ela é bipolar e ela tem mulheres peruanas pra me darem respostas, que eu não entendo nada de psicologia.
Fico quieta porque elas sabem da vida e da necessidade pós-moderna.
Relacionamentos líquidos, disse o Rafael.
Luci (amiga, psicóloga, bruxa peruana que fala português) diz que ela é viva.
Não cabe mais vida dentro dela. É vida em excesso. Eu digo a besteira, não Luci.
Agora escrevendo sobre ela e ouvindo uma música que ajuda a fluir eu morro de amores. Vontade de sair com ela correndo e gritando por aí.
Desenlaçada de tantas coisas lindas que muitas vezes são malditas por nós.
Precisam ser.
Malditas, lindas e desenlaçadas.
A Lu é a amante.
Se um dia o tesão for demais a gente sai correndo e gritando. É a imagem que tenho. Correndo e gritando.
Imagina a cena. Coloca Cat Power pra tocar. É libertador.
Ela riria dessa falta de atitude.
Eu falo dela com todo esse amor e a leitura faz parecer que ela é uma maravilha. E é. E tenebrosa. Horrível. Cheia de vida. Aflita. Nada em paz, ocioso, repetido.
Tem horror a essas coisas deliciosas que não precisam ser pensadas, questionadas, produzidas. Que fluem deliciosamente.
Sem ela.
Pra falar bem a verdade, minha amiga é um saco.
Estraga a rotina.
Dá trabalho ser amíga, com acento no i.
Ela faz essa zona toda, a gente atordoa. Fica puto.
Sei lá que bruxaria peruana ela tem. Em dois minutos a zona, o atordoa e o puto não existem. Não é que ela conserta e a gente ameniza. Somem. Não existem.
Líquidos.
E de novo a imagem da gente correndo e gritando.
Você rindo de tudo que tenho de fixo, retrógrado, de mal gosto, velho e estável.
E eu te amo tanto.
E o melhor aniversário é ter você aqui de volta.
Rindo de mim e enchendo meu saco.