sexta-feira, 23 de outubro de 2009

e depois de partir poder voltar e dizer este aqui é o meu lugar

Há muito tempo venho querendo arrumar minha casa.
Dessas arrumações que nem Elaine pode fazer.

De olhar cada papel, pegar a roupa que caiu atrás da gaveta, limpar brinquedo por brinquedo, pôr junto livro que combina com o outro do lado.

Essa arrumação não saía.
Tentei.
Parecia sonho que paralisa.
Vocês têm?

Esses dias à noite botei Tito na minha cama, fui pro quarto dele, num impulso de ladrão.

Tirei tudo do guarda-roupa (e agora? sem hífen?), tirei o pó antigo, sentei com tudo que botei fora, separei as roupas que não cabiam mais, as que não usava, caixas de nada, reorganizei tudo nos cabides, nas gavetas.
Fui pro cesto de brinquedo, pras prateleiras, pros quadros.
Troco os panos do berço.
Encaixo Tito de volta.

Senti alguma coisa lá dentro.
Como se agora sim soubesse cuidar do meu filho.

Precisava saber de mim.
Outra madrugada e me embalo feito gente sem senso no meu quarto.

Tenho a sorte de ter meu vizinho debaixo.
Tento não fazer barulho.
E eu tentando não fazer barulho, pareço dez.
Mamutes.

Mais uma madrugada e avancei a cozinha.
Lavei todas as louças.
Separei muitas pra dar.
Outras pro lixo.

Pra sala outra noite.
Livro caindo de cima.
Amontoado de cd que despenca.

O vizinho segue bom.

Eram três horas, da madrugada.
Faltavam dvd's e gavetões.
Perdi tempo nas fotos, ah as fotos.
Arrumei cada álbum.
Uma por uma eu vi.
Coloquei Vinícius.

O melhor da arrumação é sentar no chão.
Entre sujeira, bicho morto e o que vai voltar pra dentro.
Abrir papel por papel, ler carta, bilhete e ver cada foto.
Com Vinícius.

Como é que o passado faz isso da gente?
Como é que a gente lembra às vezes de um cheiro, tem a sensação que sentiu certa vez?

Deixei os dvd's bagunçados.
Os gavetões também.
Três horas da manhã.

Hoje corri pra área de serviço.
Minha nossa.
Detesto coisa amontoada!

Como elas amontoam?
Se eu detesto?

Joguei tudo, tudo.
Quanta aranha, tadinhas.
Eu gosto de aranha.
Hoje gosto, não gostava.

Na outra casa que a gente morou, teve uma que fez casa na sala, na luz da sala. Era grande. Passou tempo com a gente. Mostrávamos a casa, sala, quarto e a aranha. Num dia, com gente lá tomando cerveja, ela começou a andar, numa linha que não sei como fez, foi indo, direção à janela. A gente não sabia o que fazer. Pedir volta? Parou toda a conversa. Todo mundo fez silêncio, ela foi indo, devagarinho. Saiu. Nossa Charlote. Lipe era apegado nela, como o porquinho.

Mesmo gostando, matei todas hoje.

Não queria achar barata.
Rezei pra isso.
Eu quero morrer quando acho barata.

E eu não quero morrer nunca! Nunca!

Levanto o balde e tchãn!
Claro.
Porque elas são assim.

Bicha burra.
Eu que tenho uma vassoura compriiiida na mão.
Pá!
Pá!
Pior da barata são os espasmos que demoram morrer.
Pá!

Tiro logo dali.
Nem satisfação de ver morta tenho.

Continuo.
Jogo água em tudo.
Detesto paninhos.
Quero água!
Xuá!
Vizinho quieto.

Me viro.
Na hora!

Quase pega meu pé.
A vassoura na mão faz giro no ar.
Pá!
Pá!
Puta que pariu!
Pulinho de descontrole.
Nojenta!

Vizinho um santo.

Xuá.
Xuá.

Ah, não!
Não é possível!
Não é possível!
Pá! Pá!
Três pedaços!
Que ódio!
Merda, merda.

Quem conhece minha área de serviço sabe, não cabem três baratas ali!

Puxo a água.
Isso demora.
Não sei o que acontece, a água aumenta na hora de puxar.

Fim!

E o banheiro?
Banheiro tem que limpar sempre, todo dia!
Ensinou a mãe da Déa pra mim quando eu morava na república.

Agora fico passeando pela casa, abrindo porta de armário, rindo, olhando embaixo de móvel, brilho de vitória, orgulho de posse.

Achei simbólico.
Como se estivesse mais arrumada.
Eu.
Matando meus bichos.
Jogando fora o que não uso.
Sabendo o lugar das coisas.
Passando adiante o que não me serve.

Com umas gavetas e uns dvd's sem mexer.
Pra graça de ter ainda o que fazer.

.

5 comentários:

Marcos Braz disse...

Tenho feito o mesmo! Curiosa a coincidência... Li cartas, vi fotos... Fico na dúvida sobre o que jogar fora, o que manter... Isso é tão difícil! Tantas as categorias!

Achei uns relatórios da minha alfabetização, da turma e pessoal, e redescobri como eu era... como hoje!

Tanta coisa boa e ruim que já rabisquei nos mais diversos formatos de papel... Essas, guardei. Me lembro de ter pensado: 'vai que eu acabo virando importante'. Ademais, importante para alguém, certamente, serei. Pensei quando eu morrer, cedo ou tarde, e quem vai ter a curiosidade de bulir nos meus trapos, momentos, papéis...

As roupas e brinquedos rôtos da Lili! Não tinha pensado neles... Ela vai ter um quarto imenso na minha casa nova, mas não justifica a negligência.

Me prepararei para as baratas (dei cabo de uma ontem, pequena - engraçado como também fico possuído!) e serei ainda menos benevolente do que tenho sido com as minhas tralhas. Mas o olhar de vitória só na MINHA casa nova!

Beijo...

Unknown disse...

Leio todo dia.
Não leio de manhã; leio à noite, antes de dormir.
Toda noite.
Não acho pior quando você está bem.
Acho diferente; diferente bom.
Sou pragmático, sistemático, coloco tudo na minha casa de modo paralelo.
Equidistante.
Adoro ler como sua cabeça funciona; e adoro mais quando das suas manifestações doentes e complusivas.
Deu vontade de te ligar às duas da manhã pra contar meus distúrbios.

Tatiana Monteiro disse...

Absolutamente sensacional esse seu texto Maricota... sabe que sou dessas que também arrumo uma gaveta e depois fico abrindo e fechando a danada com o prazer absurdo de quem teve mesmo uma vitória triunfante. Te vejo assim minha bichinha, cada dia mais arrumadinha, organizadinha. E sabe porque isso é genial? Porque o seu caos tá cada vez mais claro e prazeroso da gente ler! Viva as mil gavetinhas da Mari... Salvador Dali que ia adorar pintar você, criatura deliciosa! Beijos da sua, Pipoca.

Felipe disse...

Caramba, eu já tinha perdido essa aranha. Que amei tanto. A partida teria se perdido também. E foi lindo né? Pra sempre. Mais uma vez, obrigado.

Ali Z disse...

Hahahahaha!
Muito bom!

Beijo grandão!