quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ele veio hoje mas não de volta





Eu não tenho pena de mim.
Normalmente não.

Mas hoje senti a falta que sinto do meu pai.
E o choro que tive foi de pena.
De mim.

Eu queria agora ter meu pai aqui comigo.
Queria que ele conhecesse meu filho e visse o humor que veio dele ali no pequeninho.
Que chorasse comigo como ele fazia, de manteigão que era.
Chorando e rindo, como eu aprendi.

Depois de muito tempo sem escutar, botei Vinícius pra ouvir.
Vinícius é minha casa.
Sou eu vendo meu pai.
O whisky que ele virou até o final.
O queijo em cubo.
A bacia de salada pra não engordar.
Com cerveja. E um pãozinho.

E a mesa de fora.
O Landau que dava vergonha na escola.
Do meu pai nunca.
Um príncipe meu. Mais pra rei. Gordo. Pequeno.
E sempre vi meu pai enorme. Pra todos os lados dele.

Eu não posso chorar alto.
Queria chorar aquele choro que parece gargalhada.
Meu pai nunca chorou assim,
Escorria, e falava asfixiado, até que ria da graça que tinha nisso.

Dentista de dente feio.
De roupa branca de babar, impecável.
Passava aquela pastinha no sapato.
Que tinha um nome parecido com steak de frango, nugget.

Mês que vem faz nove anos que fiquei sem ele.
E lembro que uns dias antes estive na nossa cidade.
Ele tinha uma dor na perna, nada de assustar, sempre a gota.
Fomos no mercado juntos.
Fazer compra pra casa dele e pra nossa.
A Lu, minha irmã, foi buscar a gente na Moreira.
Deixamos ele em casa.
Pedi pra ele não carregar nada, eu levava.
Ele carregou.
Fiquei chateada.
Ele sentindo dor.
Briguei, comecei a chorar.
Chorei esse choro de soluço.
Entrei no carro e chorei, chorei.
Choro daquele que parece gargalhar.

Foi a última vez que nos vimos.
Talvez 23 de setembro de 2000.

3 comentários:

Tatiana Monteiro disse...

Só mesmo um sujeito assim, maravilhoso, para fazer uma moça como você. Olha Mari, eu não conheci seu pai, mas hoje, lá no Céu, ele com certeza abriu um Bala 12 anos, cortou uns queijinhos com pão e vai brindar justo com Vinícius - lá em cima são amicíssimos, não sabia? - a filha talentosa, generosa, especial e boa escritora de dar nó na garganta - que ele colocou no mundo. Parabéns Maricota. Esse é um dos mais lindos textos que já escreveu. Te amo, Tatoca

tainah disse...

O que eu fico mais feliz, e sempre fico de te escrever isso, é que você me reconheceu, porque eu de cara te reconheci, em escritos como esses... Mas lindo, e lindo mais ainda é a esperança de que as palavras eternizam, as palavras e tantas outras coisas de que somos feitos.

abraço forte, minha amiga!

Marcos Braz disse...

Como de costume, leio o que você escreve aqui do trabalho, num lapso entre as tarefas que me competem.
Chorei forte com esse. De cair umas 3 ou 4 lágrimas graúdas. É lindo conseguir emocionar as pessoas pela escrita, Mari... Um dom quase imprevisível para pessoa tão 'iletrada', como você mesma se define.
É curioso o quanto ensinam, teus textos... Uma pessoa bebendo de frente pro computador, sozinha inha, ou não...
Pedir que continue, como muitos, não faz sentido. Nota-se que parar, para ti e ao menos por ora, é impossível...
Tá bom demais pra deixar (ad infinitum) os erros de digitação no ar... Tem um 'pé', grafado 'pá', no texto da menininha... E alguns outros poucos deslizes... Coisas insignificantes, e mesmo perdoáveis para a pessoa sem erudições que você curte se definir, mas um pecado para aqueles que vem aqui te dedicar água de olho, seus sais e sentimentos...

Beijo grande!

Marcos