segunda-feira, 15 de junho de 2009

Um Processo (que não é de Kafka)

Vocês não ouvem os assustadores
gritos ao nosso redor que habitualmente
chamamos de silêncio?
(Prólogo do Filme O Enigma de Kaspar Hauser de Herzog, 1974)


Sinceramente, numa me imaginei escrevendo sobre blog, principalmente um que não se contenta em sua condição de blog e almeja a ser livro. Acho que a realidade atual ou o tal do mundo pós-moderno é um pouco disso, a fragmentação, o ser em pedaços. O blog de Mariana Abbade, sob a Abba de Mariana, “um kaspar hauser”, um anti-herói desencontrado numa aldeia de “vencedores”. Como se fora uma atitude tentativa e tentadora de querer muito mais do que tudo, ou seja, querer nada, porque querer nada é uma espécie de tentativa de superação dos quereres, um querer que sugere a falta. E para preencher essa falta significa afirmar que, de certa maneira, ser nada é possibilidade de ser tudo, considerando que ser alguma coisa é não ser todas as outras.
E para ser sincero, acabo cometendo uma verossimilhança desses fragmentos, ou seja, este texto acaba sendo um apanhado de anotações isoladas que fiz desses poemas e aforismas em que Mariana Abbade desfila entre os mistérios de Clarice e o enigma de Kaspar Hauser. Um pouco para tentar escapar de uma postura acadêmica e analista e, por outro, para tentar entrar um pouco nessa linguagem, como se pudesse falar de dentro, dialogando como o fenômeno no momento mesmo em que ele surge como uma indagação sem o compromisso de uma resposta. Apesar de acreditar que a vida (isso que não sabemos o que é) se dá por inteiro, na mesma medida em que nós nos damos pela metade.
Há um monte de interrogações. Daí, me enrolo nessa colcha de retalhos, que são páginas e páginas em que Mariana Abbade, esse Kaspar Hauser de saias, ao brincar de enganar o tempo, destila a descrença que revela o vazio escondido entre os vazios. Mas somente a descrença permite o ser da poesia, essa menina travessa e cruel que revela os vazios que estão para serem preenchidos.
Há uma passagem muito rica quando narra o encontro-desencontro com a faculdade, a formação do ator, não do ponto de vista do “formado”, mas do formando... um processo (que não é de Kafka), o prazer, a lição.
Sobre o filho, um pouco Shiva um pouco Madona um pouco Maria um pouco Jocasta. A fera lambendo a cria. A fera que se ferifica cria da cria. Variáveis formas de comer o próprio filho.
O mais difícil é a necessidade de falar sem ter o que dizer. Muitas vezes falar se dá num esforço hercúleo neste mundo cão. Eu não sou Waldick não. Crucial falar apenas para impedir que cresçam os dentes. Alors, o que afirmar sobre “um kaspar hauser”? Com quem estão as respostas? Mariana Abbade lança o seu legado e podemos dizer, sem medo de errar, que todo leitor é um co-autor. E que cada um que lê o faz independente da intenção do autor, porque as palavras são as que dizem de acordo com o diálogo que estabeleço com ela. Como a máxima de Millor Fernandes (se não é dele deveria ser) de que “o pôr do sol é daquele que o vê”.
Enfim, o blog “um kaspar hauser” é o rito do pôr do sol.

Wilson Coêlho
Auditor Real do Collège de Pataphysique de Paris

2 comentários:

mariah disse...

Em primeiro lugar, quero dizer que para mim seu blog foi a síntese de sua atitude de eterna desobediencia aos meus conselhos de ser sempre o mais anônima e discreta possível.
Em segundo digo que ele blog, foi também a síntese de seu desprezo ao meu conselho de nunca publicar um fluxo de consciência sem deixar o texto descansar para as devidas correções.
Em terceiro, não há como não reconhecer que que você costuma ser muito feliz nas suas definições de seus estados de espírito.
Por último, não há como não lhe desejar muito sucesso e tudo de bom: Deus abençõe você e toda sua familia, filha.

Eliza Morenno disse...

OBa!
Achei!
Estou curtindo d+ o livro!

Bjocass!