quarta-feira, 17 de março de 2010

Inda de lambuja o carneirinho

De volta da rua, comida na sala, criança no fogo.
Um restinho de luz atropelada pela multidão de nuvem preta urrando tragédia.
Cueca vermelha molhada porque está aprendendo avisar (depois).
- Bainho rápido, vai acabar a luz.

Escapo rapidinho pros 7, 13 anos.

No barulho de nuvem nervosa, chinelo de borracha pro pé de todo mundo, toda tomada desconectava.
- Vamos pegar o carro! A gente corre pra uma cidade sem chuva, espera, volta depois...
Não entendia, mesmo, porque o riso (tenso) da minha mãe não se mexia.

Foi assim depois do Nabor.

Nossa casa ficava numa praça, na frente dela. Do outro lado, mais pra cima, a dele.
Umas coisas eram previstas lá em casa.
Que raio caia em casas, e diabetes em quem comesse muito doce.

Meu irmão ficou ruim, ficou no hospital.
Vivia lá.
Dessa vez não sabiam que era.
Uma suspeita, depois confirmou. - Diabetes.
Minha cara toda mexeu.
Sempre disseram, até ali eram só meus pais.

Diabetes.
Falaram. Antes, depois.

Numa noite, depois disso, a gente acordou de madrugada num clarão do outro lado da praça.
Fogo do tamanho que não conhecia.
Fomos lá mãe, pai, três moleques.
Estavam na praça, em cima dela, a mãe, o pai, dois moleques.
De pijama.
Um moleque machucado, a mãe jogou da janela pra ele não queimar.
Foi a geladeira.
Um raio na geladeira.

Talvez meus pais tenham dito coisas que não aconteceram, lembro só do raio e do diabetes.

A vizinhança levou café, biscoito, pão, roupa.
Formidável que as coisas aconteçam.
E na madrugada.
Pra criança, um presente.
Madrugar na grama da praça. A casa no fogo. Vizinhança. História de medo. Café, leite, toddy, pão, biscoito.
Vivi aquele raio todas as noites depois.
Até que umas semanas depois, pai, mãe e um dos moleques morreu de carro na estrada.
Foi difícil dormir.

Dois medos me travavam as pernas: chuva e espírito.
Gente que morria era espírito.

O medo da chuva passou depois que meu irmão disse que a luz vinha antes do som.
Via o clarão, via que nada queimava, sabia do barulho antes dele me pegar.
A gente sentou pra comer, já tudo escuro.
Disse antes de acabar a luz, que ia acabar.

Faltava comer, escovar dente, mamar pra dormir.
Nada de vela.
Acabou.

Medo do estrago que ia saber dia depois.
Pensei rápido sobre o pé no chão.
A janela parecia querer quebrar.

Meu pai nunca teve medo.
Minha mãe ia de um lado pro outro, rezava, dizia Minha Nossa.
Podia, tinha lá meu pai.

De pé no chão, molhei o braço dele na janela.
Deitamos no calor.
Fazendo como normal.

Sem tv as pessoas falam mais.
Sem ventilador ouve mais.
Expliquei outro dia que o barulho é o vizinho, não o lobo.
Acordou gritando: medo, medo. Medo do vizinho.

Achei melhor cantar.

Não dormia nunca.
Dissemos o nome de todas as pessoas que a gente lembrou.
Mais cantoria.
Não aguentava mais, virou pro lado de lá, parou de procurar meu braço com a mão.

A vizinha gargalhou.
Abriu o olho, virou rápido pro lado que eu tava, não disse.
A gente sabia: a bruxa...

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