sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

fim do segredo

Desde semana passada venho pensando em escrever algo para e sobre meu amigo secreto.
Cheguei até dia 23 sem uma palavra sequer.
Uma turbulência. Trabalhos atrasados. Tem duas entregas pra fazer. A internet não funciona.
Sair logo de casa. Gravar arquivos. Arrumar mochila. Mamadeira, fralda, protetor, roupa de calor, uma de frio, só pra ter.
Rapidinho. Tem que entregar hoje.
O choro quebra a atenção na tela.
Um colo pra ver o que há.
Sangue! Sangue na boca? Puta que pariu!
Taí algo comum e incompatível, sangue na boca de criança.
A mão boba de medo corre pro telefone. Gelo num plástico e dá pra ele morder.
A criança é boa e ri com a boca de sangue. Macabro.
A gente se acalma.
Terminar de arrumar pra sair. Esqueci o lenço umedecido.
Tá quase na hora do almoço dele. A chave tá aqui?
O dinheiro tem que pegar e deixar na mão. O celular também. Na mão não, no bolso da blusa.
Mochila nas costas, canguro na frente e sair.
Os arquivos… tá tudo aqui.
Sair.
Esqueci material em casa!
O motoboy chegou antes de tudo estar pronto.
A boca não sagra mais e não esqueci os lenços umedecidos.
Pra casa todo mundo.
Sono. Sempre sono.
Madrugada uááá.
Tenho que ser persuasiva: - Fechar o olho é muito bom!
Às vezes funciona.
De volta pro berço. iii, mexeu. Ah, dormiu.
Meu amigo secreto.
Tem que ser agora!
Um xixi antes.
Ai, Felipe sempre deixa o pote da escova de dente aberto.
Vou pensando.
Sentada em frente ao computador.
Vou começar assim, como se escrevesse no alto da carta.
M-i-n-h-a a-m-i-g-a s-e-c-r-e-t-a
Fico mais um tempo sem saber por onde ir. É difícil escrever sobre alguém. Ainda mais que quero escrever algo que diga alguma coisa.
Chega o marido. Ele não gosta de me ver fazendo coisas de madrugada.
Tem que ser agora.
Ele vai.
Ouço a voz dele. Vou até lá. Ele falou sozinho, confessa.
Deito ao lado pra saber.
Não dá mais pra levantar. Tinha que ser agora.
Uááá
Oito da manhã.
Mamadeira.
Persuasiva: Fechar o olho.
M-i-n-h-a a-m-i-g-a s-e-c-r-e-t-a,
entende eu não ter escrito antes, entende a turbulência, o trabalho que atrasou, uáááá, o sangue na boca, o puta que pariu, a motoboy chegar antes, o material que ficou em casa, a checagem dos lenços umedecidos, a mamadeira, o almoço, o sono, sempre o sono.
Minha amiga secreta é turbulência. É uma coisa atrás da outra. Pensa que tudo pode ao mesmo tempo.
Minha amiga secreta é de tirar o fôlego.
Tem um amor estupendo. Gritante. Falado. Espaçoso.
Tem também um silêncio inquebrável.
Como se o som tivesse a força da existência.
Tem a capacidade de assumir sozinha. Enfrentar silenciosa.
Construir força
E ressurgir reconstruída incrivelmente inteira e aos berros.
Preenche espaço.
Faz-se ouvir, ser vista, discutida e comentada.
Não dá pra ser pouca não.
Tamanho físico normal.
E magrinha.
Mãe daquelas.
Filho daqueles.
Dos melhores.
Uma imensidão quando é pra se defender.
E pra defender você.
Pois tem um amor estupendo. Gritante. Falado. Espaçoso.
Minha amiga secreta tem que ser agora.
Que venha o sangue na boca, os lenços umedecidos, a turbulência, o puta que pariu, o silêncio da dor e o retorno aos berros.
Pois sempre haverá o sono, sempre o sono.
E como iniciaria a carta, no topo, finalizo:
E-u t-e a-m-o m-i-n-h-a a-m-i-g-a s-e-c-r-e-t-a
E todo o amor que te tenho é por ser você assim de preencher espaço e não me deixar silenciar.
Não permitir que seja comedida ao te escrever.
Por ser você, Mari, esse furacão.

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