sexta-feira, 23 de julho de 2010

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel



O Edifício Itália
era o rei da Avenida Ipiranga:
alto, majestoso e belo,
ninguém chegava perto
da sua grandeza.
Mas apareceu agora
o prédio do Hilton Hotel
gracioso, moderno e charmoso
roubando as atenções pra sua beleza.

O Edifício Itália ficou enciumado
e declarou a reportagem de amiga:
que o Hilton, pra ficar todo branquinho
toma chá de pó-de-arroz.
Só anda na moda, se veste direitinho
e se ele subir de branco pela Consolação
até no cemitério vai fazer assombração
o Hilton logo logo respondeu em cima:
a mania de grandeza não te dá vantagem
veja só, posso até ser requintado
mas não dou o que falar
Contigo é diferente,
porque na vizinhança
apesar da tua pose de rapina
já andam te chamando
Zé-Boboca da esquina

E o Hilton sorridente
disse que o Edifício Itália
tem um jeito de Sansão descabelado
e ainda mais, só pensa em dinheiro
não sabe o que é amor
tem corpo de aço,
alma de robô,
porque coração ele não tem pra mostrar
Pois o que bate no seu peito
é máquina de somar.

O Edifício Itália sapateou de raiva
rogou praga e
até insinuou que o Hilton
tinha nascido redondo
pra chamar a atenção
abusava das curvas
pra fazer sensação
e até parecia uma menina louca
Ou a torre de Pisa
vestida de noiva

domingo, 4 de julho de 2010

Conto de fraldas

Uma vontade de um fim de domingo.

De barca, pra fazer bonito.
Que lindo é!

Inspirada, dormi os 13 minutos.

Levanto com cara acesa sem entender como andar.
CCBB ou Caixa?
Segui pra esquerda.

Faz tempo que não venho pra cá aos domingos.
Feio.
Silêncio, pouquinho de gente e porta baixada.

Não combinando com a idéia da vontade decido um ônibus pra botafogo.
Só eu.
Depois ele que veio vindo perto da parede e mudou pro lado que eu tava da calçada.

A Caixa!
Resolvo e ando correndo pedindo desculpa se caso ele não quisesse me assaltar.

Nada que entusiasma acontece na Caixa.
Só às sete. Uma peça com Luis Melo.
Quero ver, depois.
Assustador a quantidade de porta e a noite das cinco e meia ainda mais noite na Rio Branco.

Botei cartão no sutiã e fui tentar o Odeon.
Sete, sete.

Chega bem perto, falando baixinho conta que acabou de perder o filho com tumor no cérebro, que resolveu tudo que precisava resolver no Rio e a mulher esperava desesperada no hospital. Faltava o dinheiro da passagem.
Dei o que tinha, precisava de R$ 4,00 pra ir pra casa. Ele me deu.

Era R$4,10, o motorista me liberou.
Não pensei mais no pai do filho que morreu.

As voltas pareceram maiores, não sei, deve ser coisa de domingo.
Queria um café num lugar delicioso.
Na minha frente um moço de cabelo pior que o meu parecia legal, podia chamar ele pra tomar comigo.
Uns meninos fortinhos de regata apertada sabiam da Parada em Icaraí.
Um deles me disse que eu era linda, lin-da!

Depois da ponte só via luz de freio.
Demorou um tantão e desci onde achei que valia à pena.

Acontecem coisas em Niterói, coisas feíssimas, acontecem coisas em Umuarama até.
O assassino do Chico Mendes era de lá, o Darcy.
Mas dá uma segurança enorme quando ando aqui.
Mais que em Umuarama hoje.

Fui rápida do jeito Curitiba.
Lá na frente passa o ônibus, a janela: Linda mas ficou pra trás!
Desisto do café, compro um chocolate e pego meu ônibus, o 30 de todo domingo.

sábado, 26 de junho de 2010

eu viro toca, eu viro moita

Enquanto estava deitada esperando ele dormir, fiquei pensando e sentindo a felicidade de ter esse menino, exatamente esse.
Porque o que enlouquece é que melhora, quando não tem mais como melhorar.

Lembro lá atrás, dois anos antes, sim porque dois anos são todos os anos, me vejo com o clique de cuidar, que já é de arrepiar os pelos, mas distante, bem distante da intimidade que achei que acompanhasse o biscoitinho na barriga e saindo dela.

Ter alguém se ajeitando gente dentro de você é se distanciar das bobagens todas que não são ter alguém se ajeitando gente dentro de você.
Explica o mundo visível e inacessível das grávidas.

Depois desses meses todos que fazem a gente não fumar, não beber, comer bem, não menstruar, pousa no braço e no peito um mini rei.
Chora, mama, faz cocô e xixi, pra testar o que domina.
Toda hora, todo o tempo de uma hora.

Aquela amiga me perguntou lá pelo terceiro dia: O que a gente sente sendo mãe?
- Nada, não dá tempo de sentir nada.

Estado de alerta, podia ter dito assim.

Depois de uns meses dá pra começar a entender e sentir umas coisas.
Com um ano explode.
Pessoinha.
Pessoinha toda pessoinha.

Ainda assim, lá pro meio do segundo não encontrei espaço entre outros estouros.

Com dois não tem mais como ser mais.
De arregaçar.

O gesto, o novo toda hora novo, escancarado, inteiro tempo inteiro, de gentileza, entendimento, de voltar atrás, reconhecer melhor que eu que já era pra estar melhor, doação, carinho profundo de olhar aberto de quem quer sem ter medo de querer.

A coragem de ser ele todo em qualquer lugar.
A vontade de ir. A segurança de querer ficar e escolher.
Os amigos, velhos amigos. O beijo em toda boca.
Ter medo e dizer. Pedir a mão pra ajudar.
Escutar e anunciar o galo que eu não ouvia mais.
Dizer que me ama do tamanho dos dois braços toda vez que pergunto quanto.
E a sacanagem, a cretinice, a safadeza que não dá, dói, rasga.

Amor enlarguecedor.

Nenhum desses meninos é ele que é meu filho.
Uns até melhores não passam nem perto de ser esse que é esse cada vez mais.

Em estado completo de mãe, sinto a graça, a benção, a sorte, a luz e a força de ser.
E seguro a mão que persegue a pinta elevada do meu rosto num desejo de agradecer essa enormidade de ser eu, ninguém mais, escolhida pra estar com ele desde o início.

- Mamãe, vamos pra sala?
O olho nem sabe abrir.

Como mãe, não tem coisa que me irrita mais do que quando, morto de sono, finge que não.
Que raiva que dá!


segunda-feira, 21 de junho de 2010

sábado, 19 de junho de 2010

pela lei natural dos encontros eu deixo e recebo um tanto

Tenho agoniado de vontade de escrever, qualquer coisa.
Tenho sentido vontade de às vezes sair, ir viajar, encontrar gente legal.
Tenho vontade de filmar umas coisas, editar.
Tenho também vontade de arrumar a casa toda, pintar as paredes, comprar as coisas que sinto falta, arrumar a máquina de lavar, trocar a geladeira, a cama, limpar a persiana, colocar adesivo no quarto dele.
Também dá vontade de pensar em uma casa, carregar a gente prum chão.
Ter um cachorro.
Dá vontade de ficar até tarde acordada.
Trabalhar nas coisas que posso sozinha aqui.
E também a vontade de paciência e tempo pras coisas acontecerem.
Dormir.
Me deixar dormir.
Sentir esse controle da vida certa, planejar coisa por coisa.
Ter calma.
Recusar.
Deixar as coisas irem.
Assistir filme entre nove e onze horas.
Ler pra saber.
Ficar em silêncio.
Deitar e passar por coisas que imagino pra sensação de ter vivido.
Chamar a Fátima em agosto.
Encontrar a Clara.
Fazer o filme com a Tainah.
Imprimir o livro, lançar.
Editar os vídeos da Cândida.
Arrumar o projeto do Gus.
Tenho inveja dele na Holanda.
Quero andar de barco.
Escrever de outro jeito.
Me achar inteligente.
Fazer a pós.
Voltar no centro espírita.
Estar em primeiro lugar numa lista.
Ter um monte de certeza.
Ir pra casa da minha mãe.
Sentir que está tudo bem.
E as vontades sempre aí.
Aqui especialmente.
Especialmente aqui.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ninguém mais é Kaspar Hauser

Não sei se acha assim também:
Mas as pessoas me enchem e me esvaziam o tempo todo!
Sem cansar. E cansando, tanto faz.
Gente me faz balão, outro dia me entapeta.
Gente que me varava de repente não sabe mais sair.

Não sei saber o que é meu, o que ficou que pulou do outro.
Faço mistura até sozinha sem falar em voz alta.

sábado, 15 de maio de 2010

7 anos...



essa semana reencontramos essa gravação de um dia lá em Rio Bonito de Cima em 2003.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

belezas são coisas acesas por dentro




se tá tudo dominado pelo amor, tudo bem
se tá tudo dominado, quer dizer drogado
então vai tudo pro além.

sexta-feira, 26 de março de 2010

uma questão de besouro

parece brincadeira.
escorregão.
esquenta voltar pra outro play.
uma música só.
dependuro num repete adolescente
no mesmo desejo
um lugar, outro, movimento
encontrar o que parece óbvio, enquanto ouço
recordo uma voz
alguma coisa que não conhecia,
num quase pra saber,
o quarto onde coloquei minhas coisas, depois da minha irmã ir morar em outro lugar
me tranquei num frasco da benzina
dentro do mesmo disco
fui embora

sensação de mobilete.
da bicicleta na descida da avenida Paraná.
de andar por horas de madrugada, depois da noite que bebi.
dormir na calçada ou na mesa de fora de casa.
da janela e o cigarro na parada do ônibus de viagem.
das duas mochilas que trouxe quando vim.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Tai

Esses tempos tenho enfiado tudo meu pra reestruturar minhas coisas. Acho demorado, me sinto presa, fico frustada de não por tito no bico e bater meu braço pra algum lugar.
Mas você me lembra por onde mais dá pra bater, pude ir.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Inda de lambuja o carneirinho

De volta da rua, comida na sala, criança no fogo.
Um restinho de luz atropelada pela multidão de nuvem preta urrando tragédia.
Cueca vermelha molhada porque está aprendendo avisar (depois).
- Bainho rápido, vai acabar a luz.

Escapo rapidinho pros 7, 13 anos.

No barulho de nuvem nervosa, chinelo de borracha pro pé de todo mundo, toda tomada desconectava.
- Vamos pegar o carro! A gente corre pra uma cidade sem chuva, espera, volta depois...
Não entendia, mesmo, porque o riso (tenso) da minha mãe não se mexia.

Foi assim depois do Nabor.

Nossa casa ficava numa praça, na frente dela. Do outro lado, mais pra cima, a dele.
Umas coisas eram previstas lá em casa.
Que raio caia em casas, e diabetes em quem comesse muito doce.

Meu irmão ficou ruim, ficou no hospital.
Vivia lá.
Dessa vez não sabiam que era.
Uma suspeita, depois confirmou. - Diabetes.
Minha cara toda mexeu.
Sempre disseram, até ali eram só meus pais.

Diabetes.
Falaram. Antes, depois.

Numa noite, depois disso, a gente acordou de madrugada num clarão do outro lado da praça.
Fogo do tamanho que não conhecia.
Fomos lá mãe, pai, três moleques.
Estavam na praça, em cima dela, a mãe, o pai, dois moleques.
De pijama.
Um moleque machucado, a mãe jogou da janela pra ele não queimar.
Foi a geladeira.
Um raio na geladeira.

Talvez meus pais tenham dito coisas que não aconteceram, lembro só do raio e do diabetes.

A vizinhança levou café, biscoito, pão, roupa.
Formidável que as coisas aconteçam.
E na madrugada.
Pra criança, um presente.
Madrugar na grama da praça. A casa no fogo. Vizinhança. História de medo. Café, leite, toddy, pão, biscoito.
Vivi aquele raio todas as noites depois.
Até que umas semanas depois, pai, mãe e um dos moleques morreu de carro na estrada.
Foi difícil dormir.

Dois medos me travavam as pernas: chuva e espírito.
Gente que morria era espírito.

O medo da chuva passou depois que meu irmão disse que a luz vinha antes do som.
Via o clarão, via que nada queimava, sabia do barulho antes dele me pegar.
A gente sentou pra comer, já tudo escuro.
Disse antes de acabar a luz, que ia acabar.

Faltava comer, escovar dente, mamar pra dormir.
Nada de vela.
Acabou.

Medo do estrago que ia saber dia depois.
Pensei rápido sobre o pé no chão.
A janela parecia querer quebrar.

Meu pai nunca teve medo.
Minha mãe ia de um lado pro outro, rezava, dizia Minha Nossa.
Podia, tinha lá meu pai.

De pé no chão, molhei o braço dele na janela.
Deitamos no calor.
Fazendo como normal.

Sem tv as pessoas falam mais.
Sem ventilador ouve mais.
Expliquei outro dia que o barulho é o vizinho, não o lobo.
Acordou gritando: medo, medo. Medo do vizinho.

Achei melhor cantar.

Não dormia nunca.
Dissemos o nome de todas as pessoas que a gente lembrou.
Mais cantoria.
Não aguentava mais, virou pro lado de lá, parou de procurar meu braço com a mão.

A vizinha gargalhou.
Abriu o olho, virou rápido pro lado que eu tava, não disse.
A gente sabia: a bruxa...

quinta-feira, 11 de março de 2010

perguntaram pra ele:

Tito, que cê vai ser quando crescer?
- menino.

segunda-feira, 8 de março de 2010

acho que aqui é sacolé

Tinha 14 anos no primeiro trabalho.
Auxiliar de auxiliar de creche.
Recebia nada, fora o cheiro que lembrei hoje.
A Débora que começou.
Era 1ª auxiliar.
Todo mundo adorava.
Todo mundo da creche e fora de lá.
Linda, linda.
Nunca tinha visto aquilo.
Chegou na escola com 14 anos.
Andava com a bunda pra trás, perna distante da outra.
Cabelo preto-preto, enrolado de bola, pele branca-anca sem risco nenhum e a boca vermelha.
Foi uma semana.
Uma semana pra toda boca de menina ser vermelha, bunda empinada e perna distante da outra pra andar.
Não tinha mais chance nenhuma, ninguém existia fora a Débora na oitava série.
Fazia tudo do jeito que a gente queria fazer.
E jogava bem volei que toda a gente treinava.
Ainda isso.
Com um metro e pouquíssimo.
Peito, bunda, perna, barriga não.
As crianças enlouqueceram.
As professoras, diretoras.
Da escola e da creche.
Me apresentava quase todo dia, ninguém lembrava.
As crianças não riam nem tentavam meu colo.
A professora pra não dispensar funcionária que não custa, pedia pra buscar papel, tinta, chamar alguém.
Pros meus pais era bonitinho ver subir na bicicleta depois da escola dizendo ir trabalhar.

Lembrei que não.
Não foi o primeiro não.
Com 11 até 13 fiz geladinho pra vender.
Com a Paty.
Com y.
Fazia na casa dela, com aquele suco em pó baratinho, esqueci o nome.
Ki Suco. Lembrei.
Depois ia de casa em casa com isopor.

Teve a loja que a gente montou.
Nessa idade também.
Toda coisa que a gente não gostava mais, a loja vendia.
O ponto não era tão bom.

Um pouco antes, a gente montava cabana na rua.
Cobrava ingresso da molecada e apresentava peça de teatro.
Já lá dentro da cabana, depois da venda de ingresso, a gente avisava às vezes que não ia ter apresentação aquele dia.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

precinescessário

Nunca dinheiro foi, pra gente, questão pra ter ou não ter filho.
Pra se ter filho não precisa de quase nada.
Ainda mais pequeninho-inho, que acaba de chegar.
Cabe em qualquer lugar, come peito até bem adiante.
Fralda vem de todo lugar.

Vou corrigir uma coisa.
Alguém precisa ter, a mãe e o pai não.
Os filhos que vieram antes doam coisas incríveis: móveis, roupas, brinquedos - fundamentais.
Incrível, como funciona!

Quando começa a ver que precisa comprar short, Marina vem com a sacola exatamente de short que no Guel apertou. Percebe que uma sandália só não tá dando, Mariana entrega a do tamanho ideal que não entra no João. Depois da festa do amigo de três, descobre um mundo que anda, acende, monta, conversa. Dia seguinte vem Leon e Fernanda trazer a gente e uma mala dessas que faz a bagunça variar melhor.

Corrigir pouco mais:
Algum precisa.
Bem menos que se fala por aí.

Tem o dinheiro da escola, pra escola, esse dinheiro é grande.
Mas uma tal falta de dinheiro que não miserável faz fazer o que a gente paga, inventar.

Mas vou falar o que vim falar.
O que realmente falta e sufoca é contar do barco e não sair cinco da manhã num passeio n'água.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

às vezes Bukowsko

Volta de uma Ida Carnaval, acompanhada do roxo, rasgo, e da pele do dedo que pendurou.
A carona facilita o que sempre transtorna.
Talvez cansada, deu beijo e abanou antes de chegar.
Vejo o ônibus que demora mais à noite, mais no feriado, passando longe de mim, no feriado à noite.
Aproveito o boteco, peço um salgado, assado.
Nele (no boteco, não no salgado), uns moços, desses que não agradam.
Em bando.
A voz firme de quem fez faculdade e um filho.
Estico pra pegar a mostarda, um desses me ajudam, agradeço sem olhar.
Como tudo, salvo o papel que dou pro cesto já vomitado.
Vou andando numa saia de dois palmos e numa blusa vermelha que abre pra mostrar a coluna. Uma flor na cabeça me diz que bebi. O sutiã vermelho aparece e some na meia blusa.
Sigo o caminho que pode me trazer um ônibus.
Vou dando boa noite pros moços na rua, no escuro.
Agora devem dormir.
Devo ser a última que não parei.
Ali do lado de lá vejo um cachorro grande.
Olhando bem, parece um porco.
Comendo saco de lixo.
Um cachorro fazendo graça, óinc.
Os outros sem fantasia.
Percebeu que eu vi, vi o rabo, olhou a flor e parou o olho nela.
Viu o aberto da blusa, talvez o sutiã vermelho, e quase certo o short que não era pra ver embaixo da saia que erguia e voltava enquanto eu corria daquela fantasia.
À frente uma gente.
Um sorriso de cá besta de quem pede desculpa do ridículo.
Volto andar, de imediato.
Quase vejo a casa, a minha.
Dois meninos de treze anos me olham com cara de 32.
Cumprimento com voz de quem separou e trabalha com arte.
Sinto que a vida funciona quando ele abre o portão pra eu entrar.
Boa noite!
Salva.
Finalmente.
Tem ainda ela ali.
Um boa noite só, o último.
Ela tem olho de porco.
Não corro.
Pode ter gente ali.
- Boa N..
- Como é que eu faço pra falar com o Juan?
- ...não conheço.
- Do bloco 8.
- Não sei.
- Vem comigo.
Sai na minha frente, um pouco pro lado, um pouco pro outro.
Eu vou, não pelo Juan, continuo onde ia.
Virei onde ela não ia - Boa noite!
Era o último.
Não esqueci, nem perdi a chave de casa.
Consegui.
Não acendo a luz.
O Juan.
Banho-banho.
Suco de fruta natural.
Mania de agora.
Abacaxi com hortelã.
Sem açúcar que é pra valer.
Sentar.
Santo Deus.

Interfone!

Corro como se meu filho não estivesse em viagem.
- A Mila está aí?
- Quem é Mila?
continuo:
- Quem fala?
- É a Mirian.
- Que Mirian? Que Mirian?
- Do bloco 1.
- Não conheço, ninguém, nenhum nome, nada, nada.
- Desculpa, boa noite.
O último.
O pufe.
O suco.
Escovar o dente, ahhh.

Toca de novo!
De novo!
Que há?

- A Mila está aí?
- Que tá havendo, não tô entendendo, a segunda vez que me perguntam dela aqui, quem é essa?
- Minha mãe. O porteiro deu seu nome e apartamento.

Ódio.

- Sua mãe é uma que estava aqui no prédio, ali fora agora (com olho de porco)?
- Sim, ela.
- Eu não a conheço, só cumprimentei. Está tudo bem?
- Olha, desculpe, desculpe.

Numa vergonha de passarinho.

- Olha, não se preocupe comigo, qualquer coisa que precisar, pode me chamar.
- Desculpe, mesmo. Boa noite.
- Olha...
- Ãhn?
- ...fiquei com a impressão dela pular no Bloco Oito...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

por minha cabeça não passava

umas coisas ando vendo que meu filho escuta:
filho, chupa o sorvete senão acaba...

Anda na carência do filho que dorme com a mãe na mesma cama.
E que descobriu lobo mau, a bruxa e o fantasma.

A gente correu prum festival de teatro de animação.
Lá uns argentinos, uns bonecos e umas gracinhas bilingues.
Legal.
Chega um fantasma.
Com mais ou menos dez centímetros e alguns metros pra lá.
Cada vez que aparece um susto, pulo e abraço de corpo todo.
Achei uma bobagem o início disso.
Mas lembrei a grandeza.
A morte e o sinistro e as figuras.

Ficou bonito depois que pensei.

Hoje me pede a cada meia hora.
Dormindo já.
Lembrei que depois de casada já (e ainda), depois do pesadelo acordava Lipe e pedia que ficasse acordado até eu dormir.

Segunda decidi não ir à escola.
Levar.
Não tinha nada sério pra fazer, ficamos juntos.
A casa um lixo do fim de semana.

Lá por quatro da tarde, sem sono e muita excitação, não vinha sorriso nenhum. Não me vinha sorriso nenhum.

Martelava a imagem da cozinha de louça na pia, o chão esfarelado e as bolas pretas, o cabelo no ralo do banheiro.

E a voz e o tom mais lindo: desenhar, mamãe, vamos?

Dizendo com raiva de quem TEM que dizer: Não, filho, mamãe não consegue desenhar agora.

Pedi que desenhasse sozinho e mostrasse enquanto limpasse a cozinha.
Bom como é, fez.

Nossa, outra coisa.
Quase tudo mudou.
Quase tudo mesmo, tudo, tudo, quase tudo.
Faltava o pano na sala.

Senta ali no quarto com o quebra cabeça, só enquanto passo aqui.
Santo, santo, senta e mexe nas peças que nem sabe encaixar.

Pano, pano.
Não gosto deles.
Deu e muito bem vindo.

Incrível o riso.
O prazer do filho de volta.
Da gente ali só a gente.
Da bagunça sem sujeira.
Do espaço.
Da sensação de capaz.
Da vontade de recortar.
Lindo.
Nossa, lindo. Delicioso.

Mas ia falar de outra coisa...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

um dia na vida dessas pessoas cujas histórias se cruzam por coincidência.

Entrei no banho pra preparar, lavei tudo que alcanço.
Desodorante, roupa bonitinha, retoque na bagunça do cabelo, ajeitar coisas, anotar, pastinhas, papéis, enfiar na bolsa.
Pagar conta.

Excitação.

Bora, bora e não dá pra almoçar.
Itaú tudo rápido.
Monopolizo a caixa 20 minutos.

Caixa Econômica.
Tremo de entrar lá.
Fila pra pegar segunda via.
Fila pra pegar segunda via!
Uma moça simpática que tá lá.
Simpática mas uma só.
Vai indo.
Meu olho deu pra tremer.
Uma vez meu irmão, numa hora assim de olho tremido, fez exame de glicemia em mim, era hipo.

Entra ali no atendimento uma menina.
Cara de novinha.
Cabelo liso, preto, enorme.
Sombra, blush, um batonzinho.
Olho verde, dente e pele branca.
Magra.
Brinco, pulseira, colar de pérola, anéis.
Não sei tirar o olho dela.
Nada sem enfeite.
Exageradíssima.
E linda.
Senta no lugar da outra.
Por que se tem lugar do lado?
A outra despede.

Sombrancelha pra cima e pra baixo, boca aberta, apertada, bico.
Sabe que todo mundo só sabe olhar ela.

Uma mulher cheia de criança pede prioridade.
Resmungos dos 50 minutos da espera.
Outra com barrigão.
E o pessoal.

Converso com gerente: mais atendente!
Não tem, diz simpático.

A que acompanha a grávida fala que é mãe dela, acho mentira, não sei porque mentir sobre isso.
Raivosa no ouvido da filha:

Tem direito.
Eu processo isso aqui.
Trabalho com advocacia.
É lei.
(...) barraqueira.

E repete.
E repete.

Não acaba nunca o atendimento da pessoa antes dela.

Repete.

E eu sem ficar quieta: Faz mais mal isso que se ela esperasse...
E claro:

Primeiro, não falei com você.
Segundo que é lei e ela tem direito.
E não tem que ninguém olhar feio.
E se ela não for atendida eu processo isso aqui.
Trabalho com advocacia, conheço.

Aos berros.
Pronta pra me bater.

Sabendo da minha incompetência com briga, sorriso de mãe: Vai ser atendida, vai ser atendida, mas vai, vai sim, sim, vai ser atendida.

Silêncio.
Atendidas.
Fofoca depois.

Minha vez e ela, a Carol, cabelo preto-preto, pele branca-branca, não tem senha pra segunda via. Não tem senha pra segunda via!
1:50 minutos depois.
Bonita e bem humorada me encaminha.
Rio também.
Bonita.
Bem humorada.
De novo o gerente.
Não tem senha!

Pede pro moço bonito que parece inteligente tirar lá em cima.
Peço pra esperar na fila, levanta o dedão, vai e volta com a segunda via que da próxima vez falo com ele antes da Carol.

Duas horas e vinte.

O gerente me viu: Tadinha...

Entro no ônibus sem ar condicionado.
64 graus.
De repente, sem preparo, e o sol amarelo que nem pisca:
Uma chuva de sapo.
Se não foi, esqueceram os sapos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

e quem é que sabe a palavra que é

Depois de um dia de churrasco que nunca como e bebo demais, cheguei e deitei dentro da roupa que vim.
Era cedo.
Bom porque era cedo que tinha que acordar também.
Meia noite abri o olho.
Vim, olhei a hora e voltei pra cama dormir.
Não dormi.
Voltei pra cá.
Voltei de novo depois. Pra lá.
Não tenho nunca isso de acordar depois de dormir.
Tenho sempre na verdade, até hoje todos os dias. Mas não assim de madrugada.
E detesto.
Uma vez que foi assim, depois de anos sem insônia, acordei de madrugada, não conseguia mais dormir de jeito nenhum. Levei meu colchão pra sala. Sentia uma coisa estranha no corpo. Na sala também não dormi. Voltei pro quarto. Lá em Curitiba ainda. Então de novo peguei no sono, já quase amanhecendo. Minutos depois minha mãe liga. Era a notícia que meu pai tinha morrido.
Ontem fiquei nesse medo do telefone.
Tanta gente pode morrer.
O do vizinho tocou, 5:25hs.
Fiquei na agonia que Tito não estava, sensação de culpa fortíssima, de ausência, negligência, descaso. Quase liguei três da manhã pra perguntar se todo mundo lá respirava.
Fui escrever no caderninho que faço pra ele desde que nasceu.
Voltei a dormir seis, seis e pouco.
Acordei nove, era pra acordar antes.
Liguei pra Lipe e pedi que não levasse Tito pra escola, que eu estava indo pra lá.
Disse pra mim que precisava descansar um pouco, que Tito acordou uma da manhã e voltou a dormir às seis.